sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Porque é mais fácil!




Observar é uma tarefa fora de moda, porque parte do princípio da existência do outro. Em tempos em que um dos gestos mais comuns é da auto-fotografia (selfs), sentar-se à beira do caminho para olhar o fluxo de pessoas me parece um gesto antropológico já em extinção. Quando me dou a esse luxo, o de parar pra olhar o movimento das gentes, não tiro o celular do bolso para ler as mensagens enviadas pelos grupos sociais virtuais. Me concentro nos desconhecidos que estão diante de meus olhos em movimento. Até mesmo porque não tenho celular, e nem me interessa ter algo do gênero.
Dias desses, num Shopping Center, deixei meu corpo cinqüentenário descansar numa daquelas cadeiras que ficam no entroncamento de corredores. ‘Salas de estar’ para um breve descanso do consumidor. Lugares planejados, talvez, para os eternos transeuntes reorganizarem seus planos de navegação através daquela catedral do consumo. Mas digo que é um excelente ponto de observação para uma iniciação nos significados da linguagem da estética moderna.
O consumo no Shopping Center é feito por um movimento humano que se assemelha a um êxodo num carrossel. As pessoas vão e vêm dos mesmos lugares para os mesmos pontos de início, ou final. O tempo não só é dinheiro, como também é o movimento constitucional do (direito) de ir e vir; mas deve ser contínuo.
Em meio à contemplação do fluxo, iniciei meu trabalho de identificação. Comecei por selecionar, a esmo, um indivíduo. Depois abstrai sua imagem do todo e abri as portas de minhas especulações por meio da percepção que sempre busca respaldo no conteúdo histórico. - O homem que abstraí da massa tinha quase a minha idade, cheguei a pensar que era um antigo conhecido do tempo de escola, mas logo vi que não. Era magro, bem arrumado, mas seus braços, seu rosto e seu cabelo já não conseguiam mais esconder o grau natural de deterioração do corpo. O contraste com as vitrines e luzes e objetos expostos para regozijo do consumo era evidente. Mas o que se passava em sua cabeça?
Caminhava junto a esposa e sempre respondia a ela afirmativamente, ao mesmo tempo em verificava se a carteira ainda estava no bolso da calça. Diante dos cartazes do cinema, parecia conhecer todos os filmes que ainda não tinha assistido. Nas promoções da loja fazia cálculos, distinguia o que era melhor do que não era. Mantinha um comportamento digno de respeito naquela atmosfera que exalava a sacralidade que ele absorvia.
Como todo homem é rei em sua abstração, tive coragem de me aproximar para perguntar por que ele se movia daquele jeito, gesticulava exatamente como fazia naquele momento enquanto olhava a tudo como se fosse de uma forma programada, uma repetição dos movimentos corporais das outras pessoas que nos circundavam. Uma linguagem corporal clonada para que o todo jamais fosse incomodado com a possibilidade da existência de alguma individualidade heterodoxa.
Sua reposta foi telepática. “Porque é mais fácil. Me acalma a idéia de que haja alguém no controle. De que exista regras criadas pra mim e não por mim. Que tudo é assim desde que o mundo é mundo. Me sinto útil não sendo eu mesmo. A ordem é meu Deus. Me sinto como parte de algo. Aliás, se me permite, eu não te conheço de outros tempos?”. Não respondi e me afastei. Encaixei-o de novo na paisagem e o deixei seguir. Fora uma estranha confissão. Corajosa. Por demais corajosa.
       Segui em frente entre a idéia de amar a realidade de forma inconteste, ou de libertá-la de si mesma, desse mergulho na auto-assepsia que nos conduz a um resfriamento da existência. Anarquizar a replicação do nada em suas exposições de multifaces. Então, depois me lembrei de um templo hindu, Lakshmana, do século X, rodeado por esculturas em alto relevo que retratam corpos em todas as posições sexuais imagináveis. Porém, dentro do templo, para o observador que se arrisque na busca por uma resposta a tantos corpos nus expostos à luz do sol, somente um imenso espaço vazio. O nada representado e exposto e sem pudor. A profundidade da mensagem parece viva. Somos vazios e em inércia histórica, desfilando em galerias de consumo. Depois disso, peguei meu carro e fui embora. Meu tempo já havia passado.  

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Eus







Não fosse nossa consciência, seria fácil de nos definir como algoritmos de carne e osso. É fato que ainda não sabemos se nosso cérebro é capaz de um armazenamento infinito de dados e até aonde vai nossa memória, em volume. Há uma variável: o tempo que vivemos, somado à maneira de como memorizamos, processamos e edificamos uma consciência sobre o que temos em mente. Isso nos faz, de maneira constantes, seres subjetivos.
Fisicamente, sobre o cérebro ainda, somos tentados a determinar-lhe um limite de cálculos. Mas nossa mente parece poder associar imagens e fazer analogias em quantidades infinitas. Nossa consciência passa a perceber o que a mente é capaz de sonhar, pensar, teorizar por caminhos que vão da razão ao absurdo. Somos seduzidos pelas limitações da educação tradicional a enquadrar a realidade ao racional básico; ainda não entendemos que tanto o absurdo, quanto o lógico, o bizarro e o assombro formam a realidade, a concretude que nos circunda e com a qual interagimos por meio da cognição de pacotes de informação via percepção.
Charles Darwin observou as gerações das espécies ao longo do tempo e se deparou com o poder da hereditariedade advindo da fascinante gestação dos seres vivos por eles mesmos. Os genes, unidades mínimas da genética, que transmitem características físicas e funcionais de nossos antepassados, possuem um desejo de retornar ao que já foram, apesar de cada vez que venham a nascer para manter a sobrevivência da espécie, tornarem-se aptos às exigências do mundo exterior; o que causa as mutações.
Darwin percebeu uma inclinação nos genes, um ‘desejo’ de reverter o fluxo da evolução pra origem, pra fonte, de onde toda matéria orgânica veio evoluindo há bilhões de anos. Nosso primeiro sentimento de religar-se a algo maior do que nós é inconsciente e evolutivo, como se quiséssemos romper a barreira do tempo e espaço. Do instinto à metafísica, por meio de desejo de um ‘eterno retorno’.
A mutação de fenótipos e genótipos ocorre, não só pela seleção natural, mas também na direção de nossos avós e tataravós. Sim, Darwin me ensinou que posso ser o encontro de meu tataravô com meu avô em mim mesmo. Sou o Avatar deles, viajantes dos séculos XIX e XX, respectivamente. Essa foi a maneira que encontraram para visitar o futuro, e o fazem através de meus olhos e por meio de minha consciência que emerge de neurônios feitos de partes dos genes que já foram deles. Agora eu sou o portador do anseio do retorno ao passado que sempre caminha do presente ao futuro. Santo paradoxo.   
Somente Fernando Pessoa poderia suportar a ideia de ser um Avatar de heterônimos possuidores de vários antepassados diferentes e não consangüíneos. Imagine, leitor, o peso da carga: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e ‘Ele’ mesmo, Fernando Pessoa. Se pudéssemos calcular, exponencialmente, os tataravós e avós desses heterônimos, todos fundidos nele pela evolução, Pessoa revelar-se-ia uma Legião de personas em ato. Deveras, Pessoa foi uma Legião porque era muitos e em todos, sofreu as durezas da condição humana.
Sei que a ciência determina que grande parte da hereditariedade ocorre por meio da herança dos genes recessivos, que são ‘explicados com clareza’ pelos professores de biologia em ‘claríssimos’ exercícios num quadro cheio de AA e Aa que terminam em outros AA e Aa e tudo fica ‘claro’ como numa noite sem luar. Mas esses genes não transmitem somente a estrutura física, suas características e potenciais inclinações às patologias, mas também a personalidade, o temperamento, a fantástica tendência de mergulhar numa profunda solidão e fugir do mundo; ou mesmo a subjetiva espiritualidade que baseia-se em algo metafísico.
Claro que não menosprezo a influência social, dos aspectos culturais, ou mesmo não me esqueço das velhas histórias de irmãos gêmeos que são criados separados e formam personalidades diferentes no decorrer da vida. Dependendo do lugar em que se é criado, tataravós e avós ficam adormecidos, não são acionados e desaparecem na superfície da personalidade de seu avatar. Uma estranha morte que mistura esquecimento com falta de estímulo repetidos pelo meio ambiente e que os genes já têm em memória. E assim surgem novos seres com novas personalidades.
Poeticamente falando, somos em ato, em si mesmos, o que já fomos no passado. Seres que sempre nascem com um desejo que pode ser explicado como um contínuo pulso de um eterno retorno de si mesmos e que edificamos para uso próprio e para manutenção do grupo em que vivemos. Somos Sartre e Nietzsche: o ser em si mesmo e num eterno retorno. Genótipo/fenótipo, mutação, hereditariedade em ad infinitum. Dessa forma, ‘claro’, somos algoritmos. Que Loucura! No início eu disse que não podemos ser algoritmos. Seríamos, então, uma possibilidade infinita de multiplicação de algoritmos finitos?                               
       
                             
          
  


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

"E se fôssemos todos cegos?"


Claro, acreditaríamos na imparcialidade do juiz tucano, Sérgio Moro. A credibilidade não é uma característica do judiciário. Talvez seja a última estação de nossas ilusões. Acreditamos que no judiciário encontraremos a Justiça, cega e imparcial. Mas não, nele habita somente as sandices conservadoras de estrupícios e marionetes como Gilmar Mendes e 'Janots' da vida. - O próprio slogan propagado por energúmenos, nas redes sociais, IN MORO WE TRUST, é o que é, o que se apresenta como imagem significante: palavras escritas num idioma hegemônico (ainda imperialista) que se beneficia de nossas cabeçadas políticas.
A manada vestida de amarelo nas passeatas, em delírio profundo, - que resolvi chamar de nova febre amarela, ou mesmo de, A Praga -, chafurdou sem nenhum pudor na lama das imoralidades políticas com seus gritos de ordem patéticos. Produziram selfies e mais selfies com militares, ato masoquista profundo, ao mesmo tempo em que criavam espaço para fomentação de uma opinião pública que passou a acreditar que desejava a troca do comando do Estado. Com isso, cegou-se diante do cerco da canalha que se armava para tomar o poder por meio dos bastidores dessa reacionarismo analfabeto, cujo os maiores avatares são os membros do MBL.
Precisamos entender que, os contaminados pela Praga, entendiam que a substituição do Governo Dilma poderia vir de qualquer lado, de qualquer esgoto, pois qualquer coisa seria melhor do que aquele governo eleito democraticamente. Foi um método similar ao empregado na substituição de técnicos de futebol. Porém, por debaixo dos panos, o grupo que assumiria o comando, após os protestos e o impechment,  já se vendia de véspera ao poder econômico especulativo empresarial, prometendo 'reformas' na previdência social, nas leis de trabalho e mais a redução dos programas sociais. Dessa forma, segue o slogan: IN MORO WE TRUST.
A mídia, acostumada a transmitir pornografia, violência, baboseiras, conteúdos que lhes são característicos, não viu maiores problemas na fusão Temer/Cunha em assumir o comando do país. Acho que foi a primeira vez que se viram representados de fato, em gênero, número e grau, algo que possibilitou uma ressonância além do DNA; a criminalidade se conhece, se reconhece e se respeita muito mais do que nossa vã filosofia pode supor. E segue slogan: IN MORO WE TRUST.
Mas o trágico não se encerra num só capítulo, nem num grande 'finale', mas sim transubstancia-se num grande 'continuum' (cotidiano) asfixiante que começa a se arrastar em nossas vidas como se ela não pudesse ser de outra forma. Até mesmo o Papa Francisco I, chefe de uma das instituições mais conservadoras do mundo, a ICAR, sob o ponto de vista econômico-político, lamentou "o velório da decência" no Brasil, com a ascensão do crime organizado ao comando do Estado; e isso tudo junto ao lastimável apoio da mídia, mais a propagação do nefasto slogan, IN MORO WE TRUST.
É de se salientar que a chaga exposta revela uma sociedade corrupta, que não tem vergonha e nem pudor de destituir um governo eleito democraticamente, para permitir a tomada do comando por um exército de pulhas. Nos detalhes percebemos a picardia. Pois mesmo sob aquela justificativa constitucional de que o temerário vice-presidente também foi eleito, e isso o torna 'límpido' e legítimo herdeiro perante o processo impeachment, só mesmo um mentecapto não perceberia a responsabilidade desse mesmo príncipe (das trevas), que num passe de mágica, torna-se isento de culpa, nessa mesma coligação, desse mesmo governo, diante das tão famosas pedaladas fiscais que foram consideradas crime de responsabilidade fiscal. IN MORO WE TRUST.
Em outras palavras, se Temer foi eleito, também é responsável pela gestão do governo nos negócios do Estado. Logo deveria ser impedido em anexo. Mas corrompe-se a lógica ignorada por todos, perante a tanta safadeza. Temer fica, e com as portas dos cofres públicos abertos às aves de rapina. IN MORO WE TRUST.
Alguns juristas saíram menores desse processo corrupto como um todo. Exemplo: Miguel 'I-reale' jr e sua assistente descalibrada, descompensada, delirante, farsante a ponto de usar a metafísica pra justificar a 'peça' canalha transmitida ao vivo aos sete cantos do mundo, a tal de Janaina, musa anti-orgasmo da coxinalha.
Quando não há justiça jurisprudente, tal como na Idade Média, recorresse a Deus para se explicar o inexplicável. A classe média se indignou porque Lula e seus petralhas extorquiram propinas das ricas empreiteiras. Mas se calou perante ao roubo da merenda escolar por governadores desse sudeste pseudo desenvolvido. E nem se manifestou diante da corrupção da imagem e do nome de Deus, citado mais do que em vão, diga-se de passagem, num ato de corrupção do mais alto nível para justificar o assalto à República  do Brasil, durante o processo de julgamento do impeachment. Dessa vez: WE SHIT IN JANAINA. 
Não uso a palavra Golpe, porque o fato em si está abaixo desse substantivo. Fica além da barbárie. Abaixo do saque. Imerso no esgoto. Excrescência da classe média dissolvida nas papilas gustativas da manada de amarelo. IN MORO WE TRUST.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

A era da inércia


I - A inércia   

Nunca o momento, o instante no cotidiano, foi tão dilatado e alimentado por um continuísmo vigoroso; é a epifania da  efemeridade. Esse momento, esse pequeno espaço entre passado e presente, é a própria definição do mundo pós-moderno em sua essência. É pra esse instante glorificado pelo consumo, que renasce a cada instante nas redes sociais, que devemos direcionar e re-direcionar nossas vidas. É nesse espaço-tempo que nosso mundo deve ser sempre forjado e re-formatado, além de continuamente cultuado, com suas sobreposições de infinitas texturas superficiais descontinuadas o suficiente para impedir uma visão crítica sobre o processo como um todo. 
        A dinâmica de tal processo ocorre mais por sua desconexão com a historicidade, do que para uma epifania de libertação da Humanidade das ideologias do por vir, o que sempre foi uma proposta teológica inocente do cristianismo, que além de propagar o altruísmo, propunha o "olhar os lírios do campo e não a  preocupação com o amanhã!". Eis uma profunda divergência com o capitalismo especulativo pós-moderno: o lucro que habita o futuro, o vir a ser da mais valia. 
      A crítica a esse espaço 'vital' e abrangente da pós-modernidade, que mais se assemelha a veiculação de desejos de consumidores do que a expressão pertinente de uma pensamento político e questionador, engendrados por indivíduos singulares, é algo descartável e arcaica. Mais consumo e auto-venereção em selfies e menos pensamento histórico e análises estéticas é a síntese. Vender e se vender e ser consumido sem se preocupar com o design.     
Dançamos entorpecidos pela vaidade da ideia que fazemos de nós mesmos, aptos a esse mundo de consumo-expressão-digital & redes sociais, no qual nos vemos envoltos, somada à visão, ou visões, que os outros podem ter sobre nós. Deslocamos nossa 'essência', primeiramente, na história, para o espelho; depois, em tempos atuais, ao perfil das redes sociais e finalmente ela se territorializa, se é que é possível tal termo, nos breves comentários que recebemos dos outros viajantes do eterno presente dessas redes.
Produzimos esse auto-feitiço-narciso porque perdemos a noção da necessidade histórica da produção coletiva. A maneira e as necessidades como as sociedades produzem seus bens se relaciona diretamente com a expressão cultural, quando, nalguns casos, ambos formaram a mesma coisa, a mesma arte. Produção e processo cultural sem lacunas, sem distanciamentos e deslocamentos diametrais, claro, coube mais às culturas da antiguidade e às sociedades dos séculos XIX e parte do século XX. Essa intrínseca relação é perceptível em Balzac, em seu livro, A Comédia Humana, onde o escritor elaborou sua trama com base nos hábitos de trabalho do comerciante de tecidos, Guilaume de Chevrel, e nos romances de suas filhas; seu poder sobre o desenrolar dos fatos, da vida das gerações mais novas e de seus funcionários, a presença da arte nos quadros de um jovem pintor apaixonado por uma de suas filhas. A mente social coletiva, questionável ou não em seus valores, difere em gênero, número e grau do que vivemos hoje. Os antigos gregos, por sua vez, não separavam técnica, tecnologia do conceito de arte.
Na pós-modernidade medimos o tempo através dos bens de consumo que deixaremos de usar e também por meio daqueles que estão para ser adquiridos. Bilhões de consumidores sabem, ou aspiram, em qual roupa estarão vestidos na próxima estação, pois isso os definirá como inclusos no mundo aparente e superficialmente arquitetado para uma conexão digital continuamente desconectada da história e observada à exaustão pelos internautas, aos quais é necessário uma conexão-desconexa, executada numa exibição continua aos olhares desses outros sobre nós mesmos. Eis a sobreposição de paradoxos e mais paradoxos. A conexão desconectada eternamente diante dos olhos (telas) alheias.
 O Eu arquitetado pela pós-modernidade digitalizada está longe de qualquer proposta poético-metafísica, menos ainda está próximo de um ceticismo cientifizado e criado pelo choque do conhecimento com a Moral. Contrariamente, mais se aproxima de uma Teologia do consumo, com seu manual de comportamento e aspirações e pasteurizações de um mundo abastecido e embasado por uma série infindável de automatics-selfs.
Os objetos, por sua vez, não evoluem, se metamorfoseiam. Uma repaginação constante pra evitar a percepção visual da decadência, da des-historização dos indivíduos. A corrupção da Estética se percebe na limitação de seu papel pós-moderno de ludibriar a percepção visual da coletividade, para que a sensação momentânea de renovação e sofisticação, independentemente de sua origem na produção, estejam sempre presentes nesse momento efêmero, dono de uma aspiração de eternidade, e que também de uma maneira onipresente, evite o sintoma de desgaste e do aniquilamento da criatividade, além da crise moral que sempre se anuncia inebriada pelo sono do conforto do consumo.
       A metamorfose constante da estética dos objetos, sobretudo os eletroeletrônicos, é um paliativo para as i-moralidades pós-modernas, pois as ações que tais objetos possibilitam, se são possíveis, cientificamente, podem ser executas sem medo pela sociedade. Em suma: não é preciso haver consciência crítica sobre o ato em si. Aliás, viver sob a égide da possibilidade tecnológica, ao final, é sempre um alívio. 
Tal metamorfose nos bens de consumo desencadeia, ainda, uma noção de tempo não-linear, mas sim caleidoscópico. A mensuração do tempo pela momentaneidade da moda e do consumo de bens inseridos nas atmosfera dos desejos, acelera ainda mais os problemas ecológicos e políticos. - O mundo isolado do consumo pós-moderno é imune não só ao pensamento histórico, mas também ao geográfico-filosófico-artístico. Um paraíso em inércia, sustentado pela votabilidade incontrolável do desing dos bens de consumo descartáveis e 'duráveis'.

II - Selfies: auto-antropofagia narcisa e/ou capitalismo e canibalismo

quarta-feira, 11 de maio de 2016

O tempo já falava disso mesmo antes de tudo começar


nós tínhamos espinhas no rosto e não usávamos óculos. Era no ano de 1979. Nos sentamos ao redor do aparelho de som e fomos apreciar aquilo que a moçada gostava de ouvir, aquilo que 'era muito loko', o canto xamânico moderno, a magia que nos levaria ao Olimpo do som. E se fizéssemos parte do clube, fosse esse o nosso destino, estaríamos, em breve, diante de Zeus (ou Zep, para os mais íntimos). Assim foi, naquela tarde ensolarada e estridente, que nossa iniciação na audição daquilo que a humanidade havia feito de mais nobre se deu. Quem nos pegou pela mão foi o mensageiro dos deuses, Mercury, ou Hermes, um semi-deus efeminado, perdido entre o céu e a terra. Foi com ele e sua corte de músicos primorosos que descobrimos a trilha mágica do paraíso. Depois foi só apertar as mãos dos deuses: Floyd, Stones, Beatles, Dylan, Hendrix, Yes, Who, - Crosby, Still e Nash & Young-, Cream e outros, até que, não mais que de repente, chegamos ao alto do Monte Olimpo e nos deparamos com O Zep, o Zeus sonoro. 

O zep nos levou pra lugares ermos. Nos ensinou que a estética é relativa, desde que o bom gosto e a sofisticação sejam presentes. Uma maneira de nos darmos as mãos, porque ouvir é aquilo que mais fala alto em nossa alma. Depois seríamos apresentados à melancolia, Nick Drake apareceu quando o sol estava alto. O dia já havia passado e por muitas horas. A morte era a única soberana nesse mundo de degredados mortais que aspiravam por um voo no zeppelin dourado e sobre o Valhala..          


...a vida, dessa forma, posso dizer, passou e não foi de todo ruim. Hoje, eu e os amigos da época, já estamos mortos. Morrer aos 50 anos é um bom sinal, sinal de inteligência. O que vale é o amor que você leva, as histórias que podemos contar e as cachaças e os cigarros que fumamos - patrocínio Souza Paiol, de Itamonte, MG. Mas foi através de uma banda humana, demasiadamente humana, escrachada pela crítica, que conhecemos a arte e nunca mais deixamos de ouvir e sentir, por todo o sempre, aquilo que já ecoava silenciosamente dentro de nós. Entendemos, agradecidos, que só precisávamos daqueles que iriam cantar e tocar por nós. Assim foi, assim é, e assim será. Amém.


quarta-feira, 13 de abril de 2016

Rua jogo de bola

O rio leva as lembranças. mais um dia sobre o planeta. eu caminho lento. José, às vezes não participamos da festa, mas tem sempre a estrada, um jeito de seguir em frente. não me lembro mais de meu nome. é que passou tanto tempo e eu aqui dentro dessa árvore que envelhece de fora pra dentro. no lado de fora o tempo faz seu estrago e ficamos encolhidos, segurando os joelhos, tentando fugir de uma coisa que nem sabemos o que é. "se chamava moço" e jogava bola na rua; "se chamava sonho", a única coisa que o tempo não corrói. os sonhos somos nós que deixamos pelo caminho. precisamos levá-los ao rio e rebatizá-los. no rio rio rio...às esquinas....mais um dia...gente gente gente ...



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

No que você está pensando?

- no que você está pensando?
"na dança macia das nuvens.
no céu intoxicado de sol. 
na maneira luminosa em que os anéis deixam os dedos".

- no que você está pensando?
"no cheiro da roupa pendurada no varal.
no barulho do carro que passa em frente a casa.
no grito distante do pássaro invisível que sobrevoa a cidade.
nos nossos dedos entrelaçados quando estamos de mãos dadas de noite.

- no que você está pensando?
" no que Singer disse: 'depois da mais profunda madrugada escura, vem a manhã luminosa.
também penso nas memórias das garrafas vazias; tenho uma coleção de garrafas vazias, cartas líquidas que enviei aos deuses. 
penso no que não disse aos anjos, aos filhos e ao amor.
e ainda tem aqueles dias em que caminhei à beira mar e molhava os pés, a vida não tinha pressa".

- no que você está pensando?
"no tempo que me faz mais velho.
no corpo que começa a falhar.
nos sonhos flutuando diante dos olhos.
na saudade de mim mesmo, quando jogava bola.
nos poemas que escrevi pra namorada nos anos de 1980.

- no que você está pensando?
"que eu choro quando ouço uma canção de Beck!".