quarta-feira, 18 de abril de 2012

A Caverna


Adoro o brilhantismo do filósofo grego, Platão, (428 - 348 AC) em sua Alegoria da Caverna. Um grupo de pessoas vive acorrentado numa Caverna e só enxerga sombras projetadas na parede do fundo. Aquelas sombras, pro grupo, são a pura essência da realidade. Um dia, um deles se solta das correntes e consegue sair da Caverna e alcançar o mundo do lado de fora. Logo entende que a realidade é muito mais iluminada, complexa e instigante do que o ‘mundo’ na Caverna. Ele volta eufórico e conta aos amigos a novidade, mas o grupo o exclui, pois não ‘há’ outra realidade fora daquela Caverna. Aquela descrição do mundo além da Caverna, só pode ser fruto da loucura daquele que desobedeceu às correntes.

É uma metáfora e tanto sobre a maneira de olharmos e entendermos o mundo. Quando é que podemos ter certeza de que estamos diante da realidade como tal, ou de algo que se pareça com ela? Algo que se pareça com a realidade não pode ser ela mesma, e sim uma cópia, um simulacro, um reflexo, uma sombra. Se a realidade e a verdade são como sinônimos, tudo o que vem da mera aparência das coisas, ou da simplesmente projeção de sombras, são por conseqüência, falsidades.

Se adaptarmos a Alegoria da Caverna aos nossos dias, podemos começar a entender a profundidade do pensamento de Platão. Exemplos: quando olhamos pro Papa, estamos diante da figura de Cristo, ou de algo que o representa em forma de sombra e/ou projeção? Pergunta inevitável: sombras, projeções e representações podem ter em si a verdade, já que não existem em si mesmas, e suas próprias essências são não-essências? Idem para pastores, atores e políticos.

É fato que há outras Cavernas espalhadas pelo mundo, e para nosso puro deleite. Quando nos postamos diante das manchetes de jornais nas bancas de revistas, estamos diante da mais pura realidade? É quase que obrigatório respondermos, “É claro que não!” Pois é justamente diante das manchetes que ‘alcançamos’ o mesmo nível dos personagens da Caverna de Platão: estamos olhando projeções, sombras, interpretações e simulações da realidade, sob o ponto de vista daquele editorou os fatos da maneira que mais lhe convinha e imprimiu nos papéis.

Mesmo com o advento da fotografia, — que normalmente ilustra as manchetes —, não é possível de se afirmar, categoricamente, que é ela a portadora da‘verdade em si’. A suposta ‘verdade’ vem da interpretação que se faz dela. O mesmo feitiço inebriador é usado pelos telejornais, com imagens e narrações que decodificam o mundo, a bem da ‘verdade’ de quem patrocina e editora a pauta jornalística.

Por mero raciocínio lógico, é fácil de se entender que tanto o Papa, os Pastores, os padres, os jornalistas, atores e os políticos são incapazes de nos mostrar a realidade em sua pura essência, são todos seres abissais das cavernas profundas, as mais distantes da luz. Menos ainda esse labirinto subterrâneo pode levar o indivíduo a conhecer a si mesmo, e de maneira íntegra e total, tal como Sócrates desejava: “Conhece a ti mesmo!”. Eis a única questão relevante na filosofia, além da morte.

Porém, muito pelo contrário, ao deixar-se levar pelos discursos dessas sombras que chafurdam nessas Cavernas, o indivíduo afasta-se cada vez mais de algo seja ele mesmo. Surge, assim, das vísceras dessas trevas, um Homem coberto por teorias e ideias prontas, que o impedem de emitir uma voz própria. Menos ainda, esse indivíduo consegue entender o mundo o seu redor. Pois, não podemos esquecer que ele só enxerga sombras.

Nessa profunda escuridão e ausência de autoconhecimento, o professor é o único que pode trazer luz às trevas. Não que ele possa fazer com que os indivíduos passem a se conhecer cada vez melhor. É justamente o oposto: é o educador quem pode levar o aspirante do mundo adulto a ‘desconhecer a si mesmo’ e de maneira clara e inequívoca. A remoção dessa aura de imbecilidade que envolve a sociedade global é tarefa para um demiurgo, um homem à base de clássicos: Balzac, Pink Floyd, Machado de Assis e Voltaire. Sem os clássicos, o sistema imunológico dos indivíduos não detém o vírus da escuridão ignorante.

Outro clássico, Saramago, escreveu um romance que também veio a se chamar A Caverna, que para ele, era o shopping-center. Um lugar onde vamos comprar aquilo que produzimos como trabalhadores, em troca de um salário, digamos, capaz de comprar tudo à prestação. Isso tudo para que nunca deixemos de louvar o fundo da Caverna e continuar a produzir a riqueza dos grandes investidores; aqueles que financiam as projeções das sombras diante do ponto de fuga de nossos olhares.