segunda-feira, 21 de maio de 2012

'Habemus' fezes




Apesar de toda a nossa evolução como espécie, não sabemos o que fazer com as fezes. Um dos motivos que me fez parar de andar com meus cães, com guia em punho, foi o fato de ter de recolher seus detritos. Na cabeça de alguns baluartes da sociedade, cocô de cachorro privado deve ficar na calçada, os transeuntes que se virem para desviar deles. São removidos, geralmente, por empregadas domésticas e/ou donas de casa com mangueira em punho, borrifando água tratada e cara sobre os montículos. Em tempos de preservação do meio ambiente, usamos água de qualidade para limpar o cocô canino das calçadas. Não bastasse as fezes de 7 bilhões de seres humanos sobre o planeta Terra, ampliamos isso consideravelmente com a produção intestinal de nossos animais domésticos.
Sempre que penso nas fezes, me lembro do filósofo Montaigne. Somos todos iguais, principalmente na privada: reis, papas, príncipes, presidentes, prefeitos, ministros das supremas cortes, os premiados com o Oscar, os mendigos e os professores, todos defecam com um repulsivo aroma particular, é o que os fazem seres comuns e não menos iguais. Enquanto esperamos pelo dia em nos tornaremos pó, defecamos de maneira similar e coletiva. Eis nossa universalidade: pó e cocô. 
Quando vou ao supermercado e vejo aquelas imensas prateleiras cheias de alimento, me lembro de Aristóteles, que gostava de usar a metáfora do ‘ato e potência’ para explicar a realidade que estava por vir. Uma semente é uma árvore em potencial. Porém, plantada, tornar-se-á uma árvore em ato, dizia o filósofo grego. Em analogia ao pensamento de Aristóteles, um supermercado é um amontoado de fezes em potencial. Consumidos, transformar-se-ão em toneladas de fezes que irão para os rios, mares e lagos. Às vezes nos encontramos com elas em nossas férias, em balneários à beira mar.
É fato que em meio aquele marzão todo, fica difícil saber se aquela pelota amarelada esmagada por nossos pés é um filho pródigo, que à casa torna, ou se é produção terceirizada. Tenho um amigo que jura aos céus e diz ter encontrado, no verão de 2005, uma cria sua, numa das praias de Ubatuba. Nove latas de cerveja teriam ajudado na identificação do filho pródigo; ele omite aprofundamentos sobre o efeito das nove latas de cerveja. Afirma, com base na constituição do metabolismo humano, que a cerveja é da seara da urina e muito pouco tem a ver com as fezes. Apesar de alterar o cérebro no entendimento e ‘identificação’ dos objetos ao nosso redor. Em suma, pensou como Descartes: bebo, logo encontro minhas fezes!
As fezes, claro, nos remetem ao universo da política. Já me perguntaram se eu não tenho desejos de ser candidato a qualquer coisa no mundo público. Respondo sempre que não. Primeiro, porque não tenho muito disciplina com a papelada e detesto puxar saco; segundo, não saberia mentir descaradamente para ganhar votos e/ou dizer que sou o dono da verdade; e o mais importante: não quero minhas fezes espalhadas pelas casas legislativas e/ou em adaptação em alguma secretaria do executivo (as secretarias e os ministérios são as latrinas por onde prefeitos, governadores e presidentes se revelam à população); eu não nasci para ser uma espécie de homem-latrina.
Quero deixar claro que minhas fezes, minhas defecações, são privadas, nos dois sentidos da palavra. Só defeco da porta da casa pra dentro, minha mulher, filhos e cães, — somente eles — sabem dos efeitos bombásticos e até cômicos de minhas defecações. Por isso quero cumprimentar, abertamente, todos aqueles que tornaram suas fezes alvo da publicidade e hoje ocupam cargos públicos, país afora. Sigam em paz e que não lhes falte papel higiênico, que também é uma espécie de consciência moral, misturada a um certo determinismo matemático. O ato de defecar não pode ser maior do que a quantidade de papel higiênico à disposição. Ultrapassar esse limite é igual a queda de popularidade: seja em casa, no trabalho e/ou na administração pública. 
Claro, que em meio a essa divagação toda, torna-se inevitável um questionamento, que pode nos levar às raias dos mestrados e doutorados, lugares onde se defeca, ou se retém as fezes, com aspirações de titulação acadêmica. A questão é a seguinte: há uma maneira adequada de se defecar? Digo, qual seria a liturgia correta para se eliminar os detritos que pertencem a cada um de nós, sem maiores estragos ao meio ambiente e ao próximo? Há quem afirme que os banheiros do Vaticano, quando acionados, a exemplos de elevadores sofisticados, propagam Cantos Gregorianos com a finalidade de purificação das fezes, mas ao que parece, o rio Tibre, que corta a cidade de Roma, ainda não conseguiu, ao longo de sua história, diferenciar as fezes sacras das fezes mundanas. É isso que torna o tratamento de esgoto inevitável e imprescindível em todo o mundo.
....Charles Bukowski, escritor que tenho profunda admiração, num de seus contos, tenta descrever uma defecada ideal: porta aberta, um banquinho para suporte das palavras cruzadas e da xícara de café; mais um radinho de pilha propagando música clássica. Tudo diante do trono mais universal e popular que se tem notícia. Qualidade de vida é igual à paz que se alcança quando se defeca, sem nenhum compromisso, transferindo aos intestinos, com seus ‘esfíncteres’ e movimentos peristálticos, o domínio do tempo. Paz aos homens de boa excreção.