domingo, 18 de agosto de 2013

Buzz Lightyear



Infelizmente nossa ‘era’ confunde a figura do filósofo com a do Conselheiro Acácio, um personagem da obra, O primo Basílio, de Eça de Queirós. Segundo a Wikipédia: ...esta figura fictícia tornou-se célebre como representação da convencionalidade e mediocridades dos políticos, burocratas e filósofos dos finais do séc. XIX, sendo até à atualidade utilizada para designar a pompa balofa e a postura de pseudo-intelectualidade utilizada por muitas das figuras públicas. Deu origem ao termo ‘acaciano’, designação utilizada para tais figuras ou para os seus ditos.
A filosofia acaciana é habitada por uma série de papagaios hermeneutas, capazes de citações sobre o quê disseram Sócrates, Platão e Aristóteles, — santíssima trindade da filosofia convencional —, sobre fatos ocorridos aos filósofos, em geral, e o que disseram sobre eles, alguns outros autores de textos sobre filosofia. É como estar diante de um catálogo de páginas amarelas de serviços, não de sabedoria. São esses mesmos ‘Acácios’ que elevam alguns pensadores ao status de verdadeiros e imprescindíveis e determinam que outros devam habitar o limbo, como no caso de Marx, banido por gente que não produziu nem 1%, em termos filosóficos, da obra do crítico maior do capitalismo.
A quem interessar possa, o filme Toy History I traz uma cena extraordinária sobre o significado de conhecer o mundo e a si mesmo. Buzz Lightyear, herói espacial, que tem a missão de exterminar o malfeitor Zurg e proteger a galáxia, descobre o significado de sua existência. Desde que foi retirado de sua caixa (ventre) e que seu cérebro começou a ‘funcionar’, ‘acreditava’ que sua missão era sua essência e que seus poderes, indicados num manual, o livro máximo da ‘verdade’, o constituíam como a plenitude do que é o ser. Um ‘Ledo e Ivo engano’ temperado pela ausência de consciência sobre si mesmo
Buzz demora, mas tal qual Zizek, entende o ‘significado’ das coisas. Tem uma revelação diante da tela de um aparelho de televisão. Assiste ao comercial que o localiza no mundo, que revela seu papel e desnuda seu ‘ser-em-si’. A partir daquele exato instante, passa a conhecer a si mesmo de maneira integral e inquestionável: ele é só um brinquedo manipulável. O choque entre a idealização de si mesmo e a dura realidade o projetam numa vertigem (náusea) e o colocam no mesmo patamar de um Lennon. Buzz conclui, diante de si mesmo estampado no comercial da TV: “...the dream is over”.
A questão principal do Conhecer a ti mesmo não é o fato possibilitar a criação de uma descrição, um perfil, uma imagem virtual-moral de nós mesmos, mas sim de entendermos qual é o significado de conhecermo-nos a nós mesmos e de maneira crítica e ética. Mais fácil escrever uma obra como a dos Beatles do que sermos éticos com a própria auto-análise. — Singer, meu irmão que estava perdido no mundo e à casa torna, sabe que não estou falando de culpa, nem de desejos frustrados.
É por isso que admiro Buzz Lightyear, capaz de caminhar em direção à maturidade filosófica e suportar os sintomas de decepção e tristeza, — ele nunca foi o que pensava ser —, mas se torna senhor do próprio destino quando entende o quê significa ser Buzz Lightyear no mundo. ‘Afora todos os sonhos’, somos todos um tanto quanto Buzz Lightyear: temos um manual implícito, o DNA; lemos em nossos livros, escritos por nós mesmos, o que é a verdade e nos imaginamos muito maiores do que realmente somos. Se houver coragem suficiente para duelarmos com a vaidade, — essa nossa alma gêmea que vem ‘em anexo’ —, e vencermos, começaremos a entender o significado de nós mesmos no mundo.
Entre uma palestra dos Conselheiros Acácios da vida e uma gota de silêncio que precede o mergulho de um sapo num lago de uma floresta qualquer, prefira o filosofar anfíbio. Afinal, viemos da água ou da terra? Depois tente entender o que significa poder responder tal questão.