Infelizmente
nossa ‘era’ confunde a figura do filósofo com a do Conselheiro Acácio, um personagem da obra, O primo Basílio, de Eça de Queirós. Segundo a Wikipédia: ...esta figura fictícia tornou-se
célebre como representação da convencionalidade e mediocridades dos políticos,
burocratas e filósofos dos finais do séc. XIX, sendo
até à atualidade utilizada para designar a pompa balofa e a postura de
pseudo-intelectualidade utilizada por muitas das figuras públicas. Deu origem
ao termo ‘acaciano’, designação
utilizada para tais figuras ou para os seus ditos.
A filosofia acaciana é habitada por uma série de
papagaios hermeneutas, capazes de citações sobre o quê disseram Sócrates,
Platão e Aristóteles, — santíssima trindade da filosofia convencional —, sobre
fatos ocorridos aos filósofos, em geral, e o que disseram sobre eles, alguns outros autores de
textos sobre filosofia. É como estar diante de um catálogo de páginas amarelas
de serviços, não de sabedoria. São esses mesmos ‘Acácios’ que elevam alguns
pensadores ao status de verdadeiros e imprescindíveis e determinam que outros
devam habitar o limbo, como no caso de Marx, banido por gente que não produziu
nem 1%, em termos filosóficos, da obra do crítico maior do capitalismo.
A quem interessar possa, o filme Toy History I traz
uma cena extraordinária sobre o significado de conhecer o mundo e a si mesmo.
Buzz Lightyear, herói espacial, que tem a missão de exterminar o malfeitor Zurg
e proteger a galáxia, descobre o significado de sua existência. Desde que foi
retirado de sua caixa (ventre) e que seu cérebro começou a ‘funcionar’, ‘acreditava’
que sua missão era sua essência e que seus poderes, indicados num manual, o
livro máximo da ‘verdade’, o constituíam como a plenitude do que é o ser. Um
‘Ledo e Ivo engano’ temperado pela ausência de consciência sobre si mesmo
Buzz demora, mas tal qual Zizek, entende o ‘significado’
das coisas. Tem uma revelação diante da tela de um aparelho de televisão.
Assiste ao comercial que o localiza no mundo, que revela seu papel e desnuda
seu ‘ser-em-si’. A partir daquele exato instante, passa a conhecer a si mesmo
de maneira integral e inquestionável: ele é só um brinquedo manipulável. O
choque entre a idealização de si mesmo e a dura realidade o projetam numa
vertigem (náusea) e o colocam no mesmo patamar de um Lennon. Buzz conclui,
diante de si mesmo estampado no comercial da TV: “...the dream is over”.
A questão principal do Conhecer a ti mesmo não
é o fato possibilitar a criação de uma descrição, um perfil, uma imagem
virtual-moral de nós mesmos, mas sim de entendermos qual é o significado de
conhecermo-nos a nós mesmos e de maneira crítica e ética. Mais fácil escrever
uma obra como a dos Beatles do que sermos éticos com a própria auto-análise. —
Singer, meu irmão que estava perdido no mundo e à casa torna, sabe que não
estou falando de culpa, nem de desejos frustrados.
É por isso que admiro Buzz Lightyear, capaz de
caminhar em direção à maturidade filosófica e suportar os sintomas de decepção
e tristeza, — ele nunca foi o que pensava ser —, mas se torna senhor do próprio
destino quando entende o quê significa ser Buzz Lightyear no mundo. ‘Afora
todos os sonhos’, somos todos um tanto quanto Buzz Lightyear: temos um manual
implícito, o DNA; lemos em nossos livros, escritos por nós mesmos, o que é a
verdade e nos imaginamos muito maiores do que realmente somos. Se houver
coragem suficiente para duelarmos com a vaidade, — essa nossa alma gêmea que
vem ‘em anexo’ —, e vencermos, começaremos a entender o significado de nós
mesmos no mundo.
Entre uma palestra dos Conselheiros Acácios da vida e
uma gota de silêncio que precede o mergulho de um sapo num lago de uma
floresta qualquer, prefira o filosofar anfíbio. Afinal, viemos da água ou da
terra? Depois tente entender o que significa poder responder tal questão.