Ao que parece, a música está morta. Sinto falta de um silêncio no mundo, a música necessita de um substancioso silêncio para alcançar profundamente a alma humana. A característica principal de nosso mundo, em termos musicais, é o ruído, mais uma ausência de harmonia. A afinação da voz não é mais necessária. Não há mais grandes guitarristas, nem grandes bandas, nem grandes canções. Apenas uma música para surdos, estampadas nos clipes e horda de fãs que se matam por pessoas que são famosas, mas não talentosas.
Proponho que passemos a ouvir o silêncio. Imagine que você possa entrar numa loja de CDs e comprar a Sinfonia do Silêncio. A capa branca, as faixas organizadas em Concertos do Silêncio; do número 1 ao 5.
A primeira faixa, o Concerto do Silêncio número 1, são cinco minutos de um silêncio absoluto. Já na segunda faixa, depois de três minutos de silêncio, se ouve ao fundo o suave espumar do mar na areia, aquelas espuminhas que explodem aos nossos pés, quando a onda lambe a areia e ainda reflete os raios do sol em suas costas; não, não haverá clipes para o Concerto do Silêncio, foi licença poética desse patético cronista.
Já na terceira faixa, além do silêncio, das ondas lambendo a areia e fazendo espuminhas, surgem vozes de gaivotas em ecos, como se o mar à frente fosse infinito, pronto para preencher adequadamente o coração de afetos e de projetar o ouvinte numa solidão infinita, que é o estar consigo mesmo; nenhuma outra voz na cabeça além do silêncio.
Na quarta faixa do Concerto do Silêncio, acrescenta-se o som do vento nos cabelos de uma sereia, de seios cobertos por algas, à toda estrutura já exibida nas três faixas anteriores. O auge da quarta faixa seria o sorriso dessa entidade do mar, devidamente ilustrado por um acorde de violão, um mi menor com baixo em lá, afinado no diapasão, exigência mínima do instrumento inventado pelos árabes.
O encerramento, no quinto movimento, inicia-se com a lua surgindo no horizonte, um som indescritível de mãos tocando a pele da mulher amada, e de novo o vilão em mi menor com baixo em lá, seguido de uma variação do mesmo acorde com uma pitada de dó maior, mais a nona nota. Depois o som gelatinoso dos remos de uma jangada, ‘onomatopaicamente’ incatalogável, embasado pela espuma do mar e elevados com as notas mais altas das gaivotas em vôo.
Mas se você não entendeu nada do que escrevi, então ouça Dorival Caymmi e então você entenderá o mar, a lua, a jangada, o violão afinado e as gaivotas. ‘O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito”. O som do silêncio.
PS: como todo CD tem um bônus track, o Concerto do Silêncio trará uma sexta faixa, só que em veneração a floração dos ipês amarelos, que ocorre em todo mês de agosto, nossa primavera imaginária, ainda nos rastros do inverno.