No Rio de Janeiro também tem Rua Jogo da Bola
As ruas
Às vezes me
causa estranheza o nosso comodismo, ou a nossa amnésia, ou nossa capacidade de
perdoar, ou é tudo junto. Em nosso senso comum cidadão, catalogamos e definimos
os políticos como pessoas não confiáveis, indivíduos movidos por interesses próprios
e com discurso hipócrita. Porém, depois de mortos, se transformam em nomes de
ruas. São as entidades cívicas que estão 'firmes' abaixo de nossos pés, onde nos apoiamos sem o mínimo pudor, o nosso chão,
a nossa base, a nossa ética, o nosso endereço. “Me mostre o nome do solo em que pisas e
lhe direi quem és!”
E esse hábito de
nomear as ruas e as praças com as 'graças' de entidades cívicas pode ser catastrófico. É que os nomes desses espíritos maléficos, estampados na pele do mundo, talvez nos
intoxique com a história de suas vidas 'públicas', a ponto de incorporarmos suas personalidades e valores ( i ) morais. E olha que a Cabala já dizia isso e antes mesmo da criação do Mundo: “a palavra escrita numa parede pode destruir ou salvar o universo, pois dela emana energia negativa e/ou positiva”.
Imagine o dia em que inaugurarem a rua José Serra! Claro, São Paulo seria
destruída imediatamente.
Por isso admiro o escritor Gabriel Garcia
Marques, com os seus 100 anos de Solidão e seu prêmio Nobel. Se não me falha a
memória, o último livro que escreveu se chama: Memórias de minhas putas tristes. Só o título é maravilhoso. Agora,
ninguém escreveria, em sã consciência, um romance que se chamasse: Memórias de
meus políticos larápios. Claro, seria um fracasso de vendas. Mas o fato é que
não sentimos vergonha de imprimirmos seus nomes em nossas ruas, avenidas,
praças, museus, hospitais, escolas. Será um desejo (in) consciente de
cercarmo-nos dos nomes que nos lembram qual ‘postura correta’ devemos seguir?
Na opinião
desse pobre escriba, as ruas das cidades deveriam ter os nomes das putas, dos
palhaços, dos operários, dos desempregados, dos poetas, dos boêmios, dos
jogadores de futebol (imagine a Avenida Garrincha cruzando com a Rua Gerson?).
Mais ainda: imagine você chegando em casa lá pelas tantas e sua mulher com o
chinelo nas mãos e você dizendo: “tava lá na esquina do Garrincha com a Gerson, no boteco Canarinho!”. Talvez ela até ela pudesse perdoar. Mas se você
dissesse: “...tava na confluência da Aécio Neves com a Fernando Henrique Cardoso!” Hum! Como sei
que ela é honesta, meu amigo, é chinelo, televisão, sofá, tudo atirado em sua direção.
Ou melhor
ainda: se colocássemos conceitos, idéias, termos, ditados populares nas placas
que indicam o nome das ruas, para que evitemos o abraço do esquecimento: Rua
Mortalidade Infantil: toda infância é sagrada! Rua AIDS: use camisinha! Rua
Maria da Penha: bater em mulher é covardia! Rua Liberdade: todo preconceito é
abjeto! Rua Bolsa Família: a fome é nossa maior omissão! Rua Do Livro: sua
inteligência depende do salário do professor! Rua videogame: ande um pouco de
bicicleta! E ad infinitum.
Eu iria querer
morar na Rua Monteiro Lobato, sempre quis experimentar os bolinhos de Tia
Anastácia. Depois procuraria a Rua Jorge Amado, para ver a beleza crua e
inocente de Gabriela. Depois a Rua Vinícius de Morais: onde a
banheira seria meu escritório e nada mais me faltaria!
PS: Há anos,
numa outra galáxia, eu e um grande amigo, Dida Bruce, caminhávamos pelas ruas
de Tiradentes, MG, depois de navegarmos por mares de cerveja ao longo do dia;
encostamos nossas carcaças num poste, rodeado pelo casario antigo, e tava lá na
placa sobre nossas cabeças: Rua Jogo de Bola.