domingo, 27 de fevereiro de 2011

Modigliani


O existencialismo é o próprio corpo sobre o mundo. Seus gestos e anseios são o mundo se expressando através dele, ou é o corpo se debatendo contra ele?

Somos aquilo que vem do mundo, uma invasão pelos sentidos. A arte de regurgitar é nossa nau menos falaciosa.

O corpo é a única coisa que temos de concreto. O resto é burocracia.

E antes do mistério das ideologias e de toda essa metafísica sobre o mundo, como se fosse abutres sobre a carniça, o maior mistério ainda é o corpo de quem escolhemos para dividir a vida, os minutos, os segundos, a etrnidade de uma lembrança.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O homem-carro

Na minha cidade havia uma figura folclórica que se chamava Cavuco. Ele acreditava ser um carro e saía pela rua acelerando e passando marcha. Ia em meio aos automóveis, respeitando tráfego. Dizem alguns que até respeitava o sinal. Outros, mais maldosos, diziam que ele pregava adesivo nas costas, que era o seu vidro traseiro.

Uma vez atropelou uma velha que tentava atravessar a rua e foi parar na calçada, onde os carros não devem trafegar. Deitado no chão, com o barulho do motor na boca, ouvia os xingamentos da velha. Uma pequena multidão se formou em torno do acidente e ele dizia que, só sairia dali puxado por um guincho, pois era um carro moderno e estava no seguro.

Com o tempo ele sumiu, nunca mais o vi. Acho que saiu de linha, não suportou a modernidade. Pois afinal nunca se viu tantos automóveis no Brasil. Estão para todo lado. Um proliferação de carros 1000, que dizem, custa pouco.

Milhões de brasileiros indo para o trabalho, dentro de “seu” carro. O chamado transporte individual; ainda por cima com celulares cheios de recursos que, às vezes, até funcionam como telefones. Eis a modernidade do Brasil: Celular e carro 1000. Quem precisa de educação, saúde e segurança? Carros e telefones bastam!!. Céus, é o caos. — Felini, italiano, diretor de cinema já falecido, conhecido por sua paixão pelo bizarro, iria adorar a cena: milhares de automóveis com motoristas e seus celulares aos ouvidos, em auto-estradas sem placas, como no rodoanel de São Paulo, gastando mais tempo e energia do que produzindo.

Mas voltando ao Cavuco, talvez ele tenha desaparecido por não suportar a idéia de ser um orelhão ambulante. Carro, tudo bem!! Mas orelhão, não! Esse negócio de sair por aí com celular na cintura, ele não podia aceitar. Acho que tinha medo de ser privatizado e acabar sendo usado nas propagandas estúpidas da televisão.

Não sei que futuro nos espera. Tudo privatizado, tudo cientificamente produzido para dar defeito e se manter em consumo. Há quem ache tudo maravilhoso.

Em termos de esporte ele iria pirar: como explicar que Massa, de dentro de uma Ferrari, resolve, ‘de livre e espontânea vontade’ tirar o pé do acelerador e deixar seu rival passar. Carros de corrida programados para deixar o outro passar. É o fim da civilização ocidental.

Sei que posso soar meio que antiquado em minha crônica, com esse determinismo: Cavuco, se ainda estivesse vivo, não gostaria de nada, absolutamente nada do que a modernidade oferece. Acho que de uma coisa ele se orgulharia: os carros híbridos. Sonho maior de ser movido a álcool e também a gasolina. Quiça uma adaptação para o gás. E assim o motor se transforma numa espécie de santíssima trindade: álcool, gasolina e gás.

Até consigo vislumbrar: ele, Cavuco, numa crise de sustentabilidade:

— Melhor o gás da batata doce do que o gás natural.

Hoje ele anda pelas ruas da memória de alguns de nossos munícipes. Continua livre, acelerando, sem o menor pudor em relação aos boxes e aos radares.

Em Cruzeiro falta muita coisa, mas sinto falta de um museu que proteja nossa memória, — e pode parecer contraditório — , mas a memória anônima, daqueles que para muitos, são ‘ninguéns’; vivem gloriosamente nas histórias contadas nos bares, nos jogos de truco, às portas das missas, nos encontros de amigos e etc. Anônimos como nós dois: eu aqui escrever e você por aí, a ler, anonimamente. Mas cheios de histórias pra contar: lágrimas, risos, espantos e lorotas.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Varginha (MG)



Acho que fui um dos primeiros Ets a visitar Varginha; sul das Minas Gerais. A família da minha mãe é daquela região, do tempo em que no Brasil ainda existiam os trens. Eu só ouvi falar de viagens nos trens, cheias de poesias e coisas engraçadas. Não, eu não viajei de trem para Varginha. Ia no carro de meu pai, longas três horas em estradas sinuosas; fora as serras.

Mas lá tudo parecia brilhar. Começava pelo fato de Varginha parecer bem mais limpa do que Cruzeiro, minha cidade; apesar de Cruzeiro ter uma natureza muito mais bonita. Talvez a feiúra estivesse na política da região, não sei! Quem explica?

Meu tio-avô nos recebia de forma especial. Ele se parecia, fisicamente, com ... — antes deixa eu dar três batidinhas na madeira para não trazer o passado de volta. Lá vai: com o Geisel. Era a cara dele. E era justamente o tempo em que eu freqüentava a casa dele, sempre em janeiro, para passar as férias, que o General Geisel governava o Brasil. Quando olhava na TV o Geisel falando alguma besteira, podia acreditar cegamente que era meu tio, se ele não estivesse ao meu lado, no sofá, assistindo ao mesmo tele-jornal. Minha mãe dava asas à imaginação e dizia que ele gravava a entrevista e voltava para Varginha, para que ninguém o incomodasse. E eu estava ali, ao lado do ‘presidente ditador’ do Brasil.

O que mais eu gostava no governo dele, era o fato de trazer todos os dias, logo pela manhã, um queijo mineiro, o mais gostoso de toda minha vida. A toalha xadrez, com bules de louça, com manteigueiras de vidro, xícaras com asas extremamente curvadas, era a mais linda cena comestível que se poderia ter. Nenhum café, da manhã ou da tarde, era melhor que os de Varginha. Sobre tudo os da casa do tio Jaime. Outros tios e tias, que também moravam na cidade e eram alvos de visitas por parte de minha mãe e eu, também eram fortes concorrentes ao título internacional de melhor café de todos os tempos. Varginha era o lugar para ser feliz. Era um universo mágico.

Existe por lá um gosto por se contar histórias, talvez o único lugar do mundo onde um doce rima com machado de cortar lenha. Tudo se encaixa. São coisas que ganham vida e percorrem o mundo gerando uma atmosfera própria. Eu ouvi, certa vez, meu esse meu tio contando uma história que o fazia rir com os olhos fechados, com a mão meio que sobre o estômago, como quem segurava uma contorção, uma cãibra, de tanto querer rir e não poder segurar. Era o tal caso do machado e do doce.

Foi uma mulher que eu nunca vi, mas que conhecia por nome e acho se chamava Amália, havia feito um doce especial, do tipo que tem a tendência de parar o transito de tão gostoso que era. E dizem que era mesmo. Mas daquela vez algo saiu errado, não com o sabor, mas com a liga do doce, que ao que parece, foi além da conta. O sabor estava celestial, uma sinfonia de Vila Lobos, mas tinha que ser cortado com um machado. Levado à boca, jamais seria desmanchado. Uma espécie de bala eterna, talvez uma receita para quem tivesse a eternidade para chupar o mesmo tablete de doce.

Hoje tenho a clara convicção que tal receita foi coisa de anjo, habitante de cozinhas movidas a fogão a lenha, coisa de avó, e ninguém quer ficar longe de tal amor. É isso, descobri!! Varginha era minha avó, era a cidade que me acolhia como uma avó. A benção, Varginha.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

zen IV (zen e arte da manutenção de motocicletas)

foto abaixo: Robert Pirsig e seu filho, pelas vicinais da América..




"A viagem pelas estradas a perder a vista dos Estados Unidos da América tornou-se um arquétipo, pelo menos a partir de On the Road, de Jack Kerouac e do filme Easy Rider. Neste romance ela é empreendida por um pai e o seu filho -, motards que preferem as estradas secundárias às auto-estradas, completamente expostos ao ambiente -, e transforma-se numa odisseia pessoal e filosófica e num mergulhar até às raízes da arte de viver. Ao introduzir questões filosóficas elaboradas, de uma forma que se torna deveras acessível e apelativa para o leitor comum, Pirsig cria uma filosofia prática, assente no bom senso e na intuição tanto como na racionalidade, baseada num novo valor a que chamou "qualidade". Ambiciona igualmente, por essa via, constituir uma ponte possível entre pensamento ocidental e Oriente. O cuidar atento e empenhado dispensado por este aventureiro das vastas extensões americanas à sua motocicleta é a metáfora para uma tentativa de valorizar a tecnologia no nosso mundo, onde Buda existe tão perfeitamente nos circuitos digitais de um computador como nas pétalas de uma flor. O segredo reside na atitude. Uma obra polémica que desde a sua primeira edição não deixou de inspirar milhões de pessoas em todo o mundo até hoje".

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Zen III


...é preferível não pensar sob as árvores

mas molhar os pés no mar...

não dialogar com o vazio do espelho

mas segurar o sol com os dedos...

é preferível caminhar sob as árvores

e não olhar as pegadas encravadas na Terra...

é preferível nomear nada como preferível.

escutar os olhares atravessados na mata da lua cheia...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A múmia



Ainda não descobri o motivo de se contar histórias de terror para crianças. É evidente que a gente fica com medo durante a noite. Eu era um desses medrosos da noite. Deus, era uma tortura quando meu pai apagava a luz. O medo começava instantaneamente. Imaginava antes da criação, uma profunda escuridão. Até Deus acendeu a luz para começar a história do universo e meu pai apagava para começar a noite de sono. Às vezes torcia para o interruptor quebrar para a luz não desligar nunca mais. Até fiz promessa para que isso ocorresse. Mas o escuro é poderoso e inofensivo. Mas isso a gente só descobre depois de ler “O Saci”, de Monteiro Lobato. Antes disso você é prisioneiro do medo do escuro da noite.

Minha situação piorou quando a televisão — sempre a maldita televisão — anunciou que iria passar um filme de terror sobre uma Múmia que um arqueólogo encontrava no Egito. Filme em preto e branco.

Pronto, a pouca coragem que eu tinha foi-se. Só a propaganda já me matava. E não adiantava meu pai dizer que era só brincadeira. Quando passasse o filme estaria acontecendo ao vivo, era assim e pronto; nada me convencia do contrário. Na noite que passou o filme dormi com minha mãe, desalojando meu pai que não gostou nada do troço.

Com o passar dos dias, ahhh, piorou o medo. Eu via nitidamente o fim do filme, depois a múmia olhando o horizonte lá no antigo Egito e, em seguida, começava caminhar. Eu tinha uma noção de geografia e sabia que a múmia, para chegar ao Brasil, tinha que atravessar o Atlântico. Ninguém iria vender um bilhete num navio para um monstro. Isso me acalmava. Mas depois não deu, veio o clarão.

— ...ela já está morta, pode andar por debaixo d´água!! Ahhhhh!! Socorro!! — disse para mim mesmo, sob as cobertas.

Comecei assim a segunda parte da tortura da imaginação. Ela começava a andar em direção ao oeste, cruzava a Argélia, chegava na praia, entrava na água e vinha caminhando pelo fundo do oceano. Tubarões não me salvariam, não comeriam um cadáver de pano. Em poucos dias chegaria ao litoral brasileiro. De Ubatuba a Cruzeiro seria um pulo. Chegava ao limite quando a imaginava caminhando pela rua de minha casa, subindo a escada e a sentia na janela, no lado de fora, começando a forçar para entrar e me matar. Nessa hora o sangue gelava, um nó subia a garganta e não tinha alternativa.

— Pai! Não consigo dormir.

Ele sentava na cama e ficava vigiando meu sono. Foi duro esquecer a múmia, foram vários dias de viagens sob o mar que nos separava da África.

Agora já sou adulto e quase não tenho medo de dormir sozinho. Alguns dias atrás, meu filho disse-me coisa parecida. Imaginava o monstro do filme que assistira chegando à porta de seu quarto. Perguntou-me o que deveria fazer, estava com medo. Cocei a cabeça, olhei para ele, lembrei-me de minha múmia e disse;

— Pega o ‘saco de dormir’ e põe perto da minha cama e dorme.

— Ufa, pai, que legal!!

Dormiu como um anjo.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Zen II




"O jardim do Mosteiro Ryoanji não contém árvores, plantas, flores, grama, nem mesmo ervas daninhas. Consiste num retângulo de 30 x 10 metros circundado por um muro baixo em três de seus lados, tendo o quarto lado margeado por uma varanda que serve como ponto de observação privilegiado. Dentro do retângulo preenchido com cascalhos brancos, existem cinco aglomerados de rochas grandes, perfazendo um total de quinze dessas rochas de tamanhos variados. Os cascalhos, pequenos seixos brancos, são ciscados todos os dias, formando perfeitos círculos em torno das rochas, perfeitas linhas retas no vazio entre elas são desenhados. As rochas são arranjadas de tal maneira que de qualquer ponto em que um observador esteja, por toda a volta do jardim, poderá ver quatorze pedras, estando a décima quinta sempre escondida. È dito que apenas quando uma pessoa alcançar a iluminação, poderá, então, visualizar as quinze pedras ao mesmo tempo".

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Zen


zen:


esculpir o latido do cachorro.

bicho da seda na torneira, água tecida.

mariposa luminosa mastigando pedaços de sol

cavalos e seus fiapos de bambu nos dentes

lua engolida pelo dragão, a lava é o brilho n'água

lago de peixes voadores e árvores elétricas

a fotografia do vento: sossego no olho do furacão

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Parabéns aos egípcios


Ventos da mudança no Egito. Me lembrou a Revolução dos Cravos, em Portugal, 1974.
Preocupação: o pós-revolucionário. Espero que o afastamento do ditador Mubarak não seja sinônimo de ascensão da ditadura do Al-corão. Toda Teocracia é, ao meu ver, uma ditadura onisciente. Que o Egito siga os rumos da Turquia e seja Laico, aceitando a pluraridade cultural, religiosa, política e sexual. É pedir muito, em pleno séc. XXI?

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011



Que o corpo não carregue mais a história.

Que os símbolos se percam no esgoto.

Que a noite absorva a humanidade em rasgos de cometas.

E apenas perecíveis, efêmeros,

dancemo-nos às custas de um violão velho,

num mar de absinto,

à meia luz orgânica.

Eis um corpo sem custódia.

Só a silhueta de um beijo ante a um cenário de estrelas.

Geograficamente fálicos e satíricos,

na filosofia nua dos corpos,

lancemo-nos fora do tempo da imbecilidade moderna.

E mãos dadas com a tarde que cai,

silenciosos em flertes lunares,

sejamos parte do grunhido universal da flor que aflora à pele.


Língua e pescoço.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Mariposas atraídas por uma falsa luz


Eu gosto da imagem que o álbum the dark side of the moon, Pink Floyd, me traz: as mentes dos loucos sendo atraídas para o lado negro da lua, como se fossem as luzes da aurora boreal numa viagem espectral, um buraco negro atraindo sem parar os fantasmas e seus brilhos, com uma fome inesgotável. Um ralo no céu no anverso da lua.

Encontrei um amigo saindo de um supermercado, domingo à tarde, um sol de 35ºC, ou mais, o concreto do estacionamento permitu um bate-papo de 30 segundos, aquilo era o 'Saara'. Eu não o via há anos, em ocasiões assim, não sabemos o que conversar. eu disse: "...estamos parecidos, cabelos brancos, barba de velho, que horror! Já chegamos na mesma idade de nossos pais, e passa rápido, parece que foi ontem." Ele: "...você ainda mora aqui (Cruzeiro)? eu: "...sim, eu moro". ele: "...eu fui para São José dos Campos". Eu disse, "...tchau, até a próxima!." Ele, já caminhando: "...você está bem por aqui?". eu: "..vou indo." acenamos e adeus.

meu filho, que ouvira a conversa toda no banco de trás do carro, queria saber por que ele tinha partido para São José dos Campos. "A cidade é grande, com mais gente, ele é advogado, tem mais problemas, logo, mais serviço". Depois que disse isso, obtive o clarão da obviedade: somos formados para atender a 'atração magnética' dos grandes problemas urbanos. Como os loucos do dark side of the moon, somos atraídos por um modo de vida especificamente moldado em nosso cérebro. Desconsideramos o espaço natural à nossa volta, não sabemos nada sobre ele. A ideia de sobrevivência, com expectativa de autonomia e liberdade, nos é extraído pelo academicismo. Preenchemos os animais que há em nós com burcracia; árvores mortas. Não sabemos adubar o chão, cortar barrancos, produzir e estocar mantimentos de acordo com as estações do ano, nem quando é mais adequado a procriação de animais, para controlar o tempo a nosso favor; pelo contrário, temos que aprender a nos adequarmos ao tempo especulativo e ao mundo artificial que ele cria. Sei, parece que descobri a pólvora, mas vislumbrei a imensa manada em direção aos grandes centros urbanos, em busca de um mundo compatível ao cérebro formado por teorias nada práticas.

A melhor escola seria um ano ao redor do lago Walden; parece uma pregação a favor do tribalismo, mas acho que é isso mesmo. E eu vi isso em meu amigo: do que adianta um advogado numa cidade média, cheia de advogados? Nada; ele se torna inútil, depressivo e para romper com a própria decadência, precisa de um grande espaço em choque ético para que ele possa exercer sua função. Eu também faço o mesmo: professores são 'açougueiros de almas'. Destroem grande parte do que é o ser, para formar um não-ser apto ao mundo dos 'normais'.


E eu só tive esse insight de obviedade
, porque fui comprar uma garrafa de vinho para comemorar o aniversário de Darwin, o qual nem me lembrava, mas o velho Cão Magno uivou do extremo norte e me lembrou disso em seu blog, e com uma bela história de menino que navega na contra-mão do mundo e procura a si mesmo no livro, A Origem das Espécies.

Depois pensei na relação entre nossa Origem darwiniana, e nossa contemporaneidade de mãos dadas com a patologia.


domingo, 13 de fevereiro de 2011


Domingo.

Olhando o cinza sobre a calmaria.

Um gole de água para limpar a boca.

O palco do vinho deve estar devidamente puro.

O aroma desce pela garganta.

Os ouvidos estão longe. Miles and miles.

O anjo negro e seu trompete.

Quanto mais demorar o dia, menos triste eu sou.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Alice através dos espelhos


...e o chapeliro perguntou: "Você quer mais um pouco?" e eu respondi: "Onde ainda posso encontrar mais?"

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A morte é um cinza...


...em capítulos sobre o nada que nos cerca. de quina em quina vamos nos perdendo, despedaçando o que nem sabemos o que somos. pele esfolada no cimento cru, paredes do cárcere pela falta de asas. como camadas de uma cebola: fiapos de cinza que desnudam mais fiapos de cinza. já fomos meninos perdidos numa manhã clara e límpida. brilhos maternos sobre os olhos. mas segue a película de um filme sem roteiro, em páginas manchadas de perdas. e acabamos na mesma planície de sempre, entre dois horizontes intransponíveis: morte e solidão.


"...na estrada da morte, onde colhemos pétalas".


ao cão magno, que a vida fez uivar uma dolorosa solidão silenciosa.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A relação do nazismo com a busca por qualidade



Por detrás de uma simples reportagem de TV é possível de se entender as tendências que emergem da sociedade. E tais tendências são uma rua de mão dupla: ou elas indicam um caminho mais humanos, mais civilizado e tolerante; ou vamos direto para barbárie dos pensamentos totalitários e preconceituosos. Elis Regina cantava bem alto, na canção, Divino Maravilhoso, de Gilberto Gil, "...é preciso estar atento e forte, não tenho tempo de temer a morte". Frases fortes que brotaram da goela de uma geração que se impunha diante das atrocidades do mundo, porque desejava um lugar mais humano, tolerante e fraterno. Transformar os malefícios do mundo numa geleia real de pensamentos claros, exposta em mesa farta, é obrigação de todo artista, que de prefererência, "deve ir aonde o povo está" e não aonde o dinheiro do povo está. Mas vamos à reportagem.

Era sobre uma agência de empregos: uma especialista na
orientação de aspirantes ao primeiro emprego dava dicas, em plena manhã de uma quinta-feira, de como se deve proceder em entrevistas e quais as funções mais desejadas pelo mercado. Quando o mercado deseja, não pensamos duas vezes em sermos objetos de sua saciação, nos curvamos diante da caixa-forte do Tio Patinhas, como se a mesma fosse uma Meca.

A certa altura da entrevista, o repórter inseriu uma pergunta
by twitter: "obesos podem ser recusados em entrevistas?" A resposta: " na entrevista, não, mas no exame médico, sim." Então me lembrei dos professores míopes rejeitados pelo Governo do Estado de São Paulo. Mesmo após a invenção das lentes divergentes, os míopes são indesejados e impedidos de trabalhar por uma administração eleita democraticamente. Obesos, míopes, negros, índios, ciganos, portadores de deficiência, ex-detentos, a lista de proibições só aumenta; e é uma proibição com base na ciência médica; negros e índios são barrados no baile em função de suas imagens corporais 'incompatíveis' com o marketing das empresas norte-americanizadas.

Estamos diante da diluição do pensamento de Hitler em doses controladas por leis
protetoras das muralhas do pensamento privado. O capitalismo e o nazi-fascismo têm um namoro antigo, perigoso e danoso ao processo democrático.

Vamos nos lembrar que dentro da 'utopia' nazista não havia só a
idéia de exterminar judeus, negros, ciganos, comunistas e qualquer outro que fosse diferente. Ansiava-se por uma assepsia no próprio corpo da Alemanha: deficientes mentais, pessoas com problemas congênitos e qualquer outra anomalia genética deveriam ser extirpados do corpo social, para um melhor funcionamento da máquina humana, que deveria produzir a todo vapor.

Os exames médicos
admissionais que usamos hoje, tem finalidade similar. Fico imaginando um médico, nessa modernidade, vetando Garrincha por sua perna não ter uma aparência normal. Ou uma fábrica de cigarros impedindo a contratação de um fumante, porque é uma vítima em potencial de câncer no pulmão. Ou um Obeso barrado numa fábrica de doces; e uma longa lista de contradições.

O próprio sistema
econômico, a chamada sociedade de consumo, cria os seus doentes, porque "produzir é preciso, ter saúde, nem tanto assim" . Em seguida, ela mesmo trata de criar leis que impedem suas vítimas de ingressarem nesse mesmo mercado de trabalho, que é o responsável por suas degenerações físicas. Por final, descobre-se a pólvora, são os trabalhadores os próprios consumidores e os respectivos doentes do processo. Como diria o poeta, " tem algo de podre no reino da iniciativa privada e em sua relação 'legal' com o poder público".




quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Chagal e a tristeza sólida

Porque caminhamos sólidos,
solitários perante a turba.
O anseio e o desejo nos alastram mundo afora.
O vento trucida a pele.
E o mar chama ao longe.

Porque é preciso terra nova,
limo novo para os pés,
lábios novos para o sangue,

eletricidade nos olhares.
Um fervor de carnívoro à selva urbana.



Porque choramos baixo,
no depois do sol da tarde.

É a dança da vulnerabilidade,
uma valsa silêncio.

Compassos de mágoas na carne.

Porque humanos, sofremos,
se não houver desejos gozosos,
louvores e possibilidades de amores odiáveis.
Anjos estúpidos a semear vaidades.

Porque humanos, morreremos da vasta degustação da carne.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Darwin



Não sei se é possível quantificar dívidas de conhecimento; não, eu não quero transformar o conhecimento em moeda é só uma figura de linguagem, mas imagino como poderei, um dia, agradecer a Darwin ao que ele fez pela humanidade.

Eu nunca li o livro, A Origem das Espécies, mas ele é parte integrante do que eu sou hoje. Um livro que se transformou em milhões de livros didáticos de biologia e que ajudaram na formação do entendimento que se tem do mundo. Sempre que abria o meu livro, no antigo ginásio ou no antigo colegial, sempre aparecia o seu rosto num verbete, aquela barba gigantesca, aquele olhar triste, querendo dizer, " ...vocês ainda vivem a fantasia criacionista?", e o dizia sem ser panfletário, de maneira serena, bem diferente dos filósofos, donos das verdades. Darwin, um tanto cabisbaixo, queria deixar claro que dizia respeito a ele também. Suas descobertas o incomodavam, e muito; parecia dizer: "...isso é difícil pra mim, tanto quanto o é para você; sou um habitante do século XIX, que descobriu 'o mundo' apenas com a observação, com a especulação e alguns poucos fosséis, coisas que já estavam nos olhos de todos, há milhões de anos, mas eu enxerguei, então sofri por ter o dom de ver em meio aos aprisionados da Caverna".

Assisti no fim de semana ao filme, "Criação" e fiquei, de certa forma, emotivo, como há muito não ficava diante de um filme novo. A história se baseia muito mais nos dilemas pessoais de Darwin, do que na revelação da teoria da seleção das espécies e seu impacto no mundo. Em suma, o espectador já deve saber de antemão que nós viemos dos primatas, e não de Adão e Eva. (é o mínimo que se pede).

Seus dilemas: - a morte precoce da filha mais velha; - o abalo de sua fé cristã; - a tristeza de ver sua mulher sofrer, porque tais idéias o levariam ao inferno, impedindo assim que os dois continuassem a história de amor que esperavam alcançar na eternidade, (em minha opinião, a parte mais poética do filme);

Um filme, por mais biográfico que possa ser, não pode ser entendido literalmente, mas o significado é real. por duas vezes um frio cortou minha espinha:

1- Darwin pede para a esposa ler o livro já acabado, ela, e mais ninguém, deveria decidir por sua publicação ou não; e por amor, não pela ciência, ela decide pela publicação; assim, após sua morte, iria para o mesmo lugar que o marido fosse envidado. (na boa, sou chorão, mas nessa hora o amor de uma mulher foi maior que o conceito de Deus enraizado em seu modo de viver, e do que a ciência que nascia. Ela deixou claro que estaria com ele para o quê desse e viesse).

2- Darwin coloca a Origem das Espécies, escrito à mão, na traseira de uma carroça, o correio da época. O livro vai embrulhado e amarrado com barbante, com uma carta anexada, rumo a editora.

ou seja, por dois momentos o livro, que acho ser um dos mais importantes da história da humanidade, expõe-se de maneira tão frágil, que me pergunto, como foi que não se tornou presa em meio a tantos 'cassadores&caçadores' da selva social?

num paradoxo, parece coisa do destino...coincidências favoráveis, que Einstein diria que: 'são jogos de dados que não enxergamos'...ou, que o mundo é movido por misteriosos motivos, as linhas tortas.

O espantoso é que a publicação do livro, A origem das Espécies, beirou o milagre. Paradoxo!



domingo, 6 de fevereiro de 2011

O sentido da vida III




Destruir mares de florestas para cremar os mortos, para que não se transformem em vampiros?

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O sentido da vida II

Ontem à Tarde from Cinema de Rua on Vimeo.


Criar um mundo hostil a si mesmo, cheio de regras tolas, enquanto somos sufocados pelo tédio?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O sentido da vida I

Hot Wheels from Cinema de Rua on Vimeo.


Somos primatas-mamíferos tentando ser formigas?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Vale do Paraíba, o Vale Histórico, Voltaire e os Titãs



A mente humana é uma profusão de neurônios em tempestades elétricas que resultam em movimentos corporais involuntários e voluntários. E também é normal a criação fantasiosa de uma ‘realidade’, maravilhosamente desconexa do concreto, oposta ao que realmente sentimos sob as solas dos sapatos, quando caminhamos por nossas ruas e nos relacionamos com nossa cultura.

Na linguagem popular, as terras do Vale do Paraíba nos arredores de São José do Barreiro e derivados eram conhecidas como O Fundo do Vale; cresci ouvindo isso. Um dia, que não me lembro qual, nos proibiram de usar tal nomenclatura. O ‘Fundo do Vale’ passou a ser o Vale Histórico. A primeira coisa que perguntei, e não obtive resposta, foi: “qual lugar do Vale do Paraíba não era Histórico?”

Da mesma maneira que há o fundo do coração, o fundo da alma, a mente profunda, havia para mim, desde o começo dos tempos, o Fundo do Vale, que nunca achei pejorativo. Pelo contrário, ele sempre me revelou a imagem de uma borda de um mundo parecido com a Terra Média, de Tolkien: um lugar aberto em si mesmo, com sua dinâmica urbana nas partes próximas do rio Paraíba; suas cidades de arquitetura Colonial sobrevivente; a beleza da ‘cordilheira’ da Mantiqueira no horizonte, as chamadas terras altas e as cidades tecnológicas. — Detalhe: a ‘cordilheira’ da Mantiqueira pode ser vista onde não está. Eu a vejo brilhante e azul no final das ruas de minha cidade, como se fosse logo ali, depois de virar a esquina. Na via Dutra, às vezes, está a poucos metros do pára-brisa, basta esticar a mão pra fora da janela do automóvel, quando a polícia não está às vistas, e tocá-la. Mágica da montanha. Assim, cada prédio que sobe no horizonte de minha cidade, é um pedaço a mais da Montanha que desaparece. Se eu não puder continuar a vê-la, ela desaparecerá de minha cultura(?).

As cidades do Vale Histórico, — já que é pra fragmentar, melhor seria Vale Colonial — estão tão próximas culturalmente de qualquer outra cidade do próprio Vale do Paraíba, que, ao contrário da insinuação separatista possessiva e adjetiva que a invenção do “Vale Histórico” quer propagar, elas são, na realidade, o mesmo saco “afarinhado” com as mesmas violas e valores valeparaibanos, que são os mesmos do sudeste do Brasil. Objetos de diferenciação cultural, tal como ocorre com Ouro Preto e NY, só na fantasia de historiadores. Onde, no Vale, não há formação tropeira, bandeirante e engenharia inglesa? Vide os trens, que ocorreram nesse mesmo sudeste do Brasil e na América Latina. Nossa! Na minha cidade há descendentes de italianos, vou criar o Vale Italiano.

Porém, graças a apropriação indevida de um adjetivo universal, o ‘Histórico’, tenho que ocupar minha memória e linguagem para identificação de um Vale Não-Histórico, que no frigir dos ovos é o próprio Vale do Paraíba; mas quem sabe, com ausência total de memória, sem pessoas falando português, sem gente postando em blogs, sem ver TV (novela), sem beber cerveja, sem churrasco, fazendo festa junina, etc. Ahhh! tenha a santa paciência! Quê Vale Histórico, o quê!?

O samba do crioulo doido não dá tantas voltas. Um amigo, que por coincidência mora no Vale Histórico, diria que isso é ‘o peso do nada’. É só o mundo acadêmico a todo o vapor, edificando o nada com ares de expropriação de um resto, supostamente, não histórico. “Pô, aí já é filosofia”, diria ele.

Monteiro Lobato viveu em Areias e não gostou da vida ‘histórica’ de lá, e diga-se isso de passagem, na ‘macióta’. Quer comprovação? Então leia um dos livros dele, também dedicado à essa cidade: Cidades Mortas. Sua maior crítica, ao longo do livro, era pela falta de um universalismo, ao mesmo tempo em que criticava a proliferação de homens taperas, perdão, digo, históricos.

Usemos Lobato como exemplo: enquanto estava em Areias, Lobato viveu no Vale Histórico; quando voltou para Taubaté, passou a viver no Vale não-Histórico. É isso? A quem devo aplaudir por essa clareza de raciocínio?

É o tipo de conversa que me faz sentir como um habitante do estado do Texas, ou do Arizona, estados xenófobos dos EUA. Fragmentar o mundo para edificar uma cultura, que muitas vezes não existe, e que, só passa a ter identidade quando se separa dos corpos estranhos identificados pelo academicismo, como algo não inerente a ela mesmo, mas que no fundo é o próprio sangue, é um sinal claro de alergia. O vale Histórico é, em termos medicinais, o Vale Alérgico a si mesmo. Estamos diante de uma patologia, e das grossas.

Confesso minha pequenez acadêmica e minha insistência satírica, em algumas vezes, mas onde estará o Voltaire do Vale do Paraíba, para nossa salvação universal? E se outros Vales vierem a ser inventados? Virá o dia em que Campos do Jordão se denominará o Vale Sinfônico. Guará, Aparecida e Cachoeira Paulista denominar-se-ão o Vale Cristão. E assim emergirá uma sequência de fragmentações de base alérgicas. Deus!! E a Frei Galvão também clamo: onde estará o nosso Voltaire, para dizer-nos que tudo é Vale do Paraíba, São Paulo, Brasil, América do Sul e Latina? Tudo ao mesmo tempo agora!! Até os Titãs entenderam isso.



terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Vida, minha vida...


Não há culpa se as coisas são tristes.

Se o modo com se abre a porta,

se enche o copo d’água e se serve a mesa são tristes.

É porque tudo é dolorosamente feito da mesma forma,

nas engrenagens do dia-a-dia, nos dentes ácidos da monotonia,

na pasmaceira da vida morta.

Não há culpa nisso.

E se não se faz isso tudo, parece que não é vida.

É pouco o que se tem, o que se sobra.

Imersa na carne, no sangue,

os olhos da demência anunciam tristeza:

no som da campainha,

na voz ao fone,

no vidro que transpassa a luz,

no sol em pratos limpos,

na cor do carro ainda não pago.

Tristeza.

Agonia.

Violão desafinado ao melhor fluir da brisa.

Se eu fosse mais forte, como um caís,

cortaria os pulsos em cacos de lâmpadas,

em pontas de vasos,

em fragmentos de espelhos.

E deixaria a nau partir.

Viagem de alívio à imensidão do nada.