quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A morte de um deus......a vida mais pobre: o mundo menos apolíneo... logo menos dionoísiaco





+ 26/02/2014 .......................      Paco de Lucia.



O Violão está morto!

E o silêncio magro e vazio abraçou o mundo, com sua vitória diária sobre nossos corpos perecíveis. Mais medíocres, mais órfãos e menos musicais com os olhos fechados de Paco de Lucia; nunca pensei que um deus pudesse morrer, que se fosse possível silenciar sua existência física dentro do movimento do mundo.
É tão pequena nossa atmosfera nesse mundão de galáxias. Onde mais o som poderia ressoar como aqui? Em qual parte do infinito se tem o poder de tocar as cordas do pinho, essa alma de seis cordas que nos arrasta para a densa nuvem de paixões e desejos efêmeros? Pagão por natureza, incorruptível, sente-se desconfortável dentro de qualquer templo, à presença de qualquer outro deus. Seu lar é o boteco, o teatro, o quintal com as  mangueiras e carvalhos.  
Sendo ele mesmo uma divindade, em nylon, aço e madeira, persona transbordante de megalomanias e vaidades, que só se interessa pelo arrepio na pele das Ninfas, e decreta todo o resto como uma bobagem teológica, desdenha dos outros deuses com suas a dores, cruzes e medos infinitos.
Nos arrasta pelas caravanas ciganas, pelo rumo tortuoso das estradas, pela infinita batalha trágica e belíssima entre o som e o silêncio. É a alma do poeta, o sentido das cores do sol em crepúsculo, o tremor na carne dos amantes, o trepidar dos pés no chão de madeira, o gosto do vinho na goela arranhada pelo grito das vísceras. 
       Só um deus verdadeiro pode fazer a humanidade dançar sobre seus fracassos, é o único sentido possível nesse mundo abobado e anestesiado de si mesmo, tutelado pela pasmaceira, que se nega, dia a dia, sem pudor algum, ao sorriso hedonista da música. 
Basta um acorde de Paco de Lucia e logo nos sentimos menos imbecis e patéticos. Uma parte do Violão morreu. Dioníso chora. 26/02/2014. Não mais em lugar algum, mas na carne de toda gente que souber amar sua obra. Àquele que souber ouvir, a vida lhe será menos penosa e decadente. 
Um cometa não tem raízes, voa.  Porque é livre nas seis cordas apertadas ao peito!  


"Ao deus, que mora na escuridão da canção,
quero pedir perdão,
pelos lábios que não beijei,
pelas noites de luar que não cantei e
por deixar de amar.

Oh! meu amado bem,
quero tanto lhe tocar
 e beijar-te até manhã, e 
cantar meu samba,
encantar meu samba, minha rumba, meu flamenco, meu jazz, meu blues, meu baião..."



"Andaluz, anda luz, acompanha-me nas danças das cordas de meu pinho. Venha, luz, venha a mim, anda, quem sabes, enfim, poderás brilhar pelos céus sem fim!"  Paco de Lucia