terça-feira, 20 de julho de 2010

A Máquina do Tempo




Ao lado está a contra capa do primeiro LP do LED ZEP. 1969. Chegou às minhas mãos em 1980. Eu tinha 14 anos. Era uma tarde luminosa. Vinis eram objetos distantes, como diamantes no fundo de uma caverna. Em silêncio me dirigi para o toca discos. Levantei a tampa e encaixei o buraco daquela bolacha negra no pequeno obelisco do meio do prato rodopiante, ele girava à velocidade de 33 rotações por minuto. Conduzi o braço mecânico que fazia a leitura dos sulcos com a ponta do dedo indicador da mão direita. A agulha desceu suavemente no espaço inicial que antecede a primeira faixa de todo vinil. Um giro em silêncio. Não consegui me afastar e sentei no chão mesmo, bem à frente do aparelho. Então veio o primeiro acorde: guitarra, baixo e bateria em sincronia. Um som seco, único. Em seguida as baquetas tamborilando nos pratos. De novo tudo junto. Seco, pesado e flutuante. Então veio a voz e a música se iniciou. Olhei por alto, como se não houvesse paredes em meu quarto. Era ritmo, peso e melodia. O som da guitarra trazia uma idéia clara de que havia vida naqueles sulcos. Àquela altura eu sentia o cheiro da tarde, e a luz invadiu meu quarto, um inexplicável estado de espírito que poderia ser chamado de liberdade. Eu nunca fui de idealizar histórias quando a música rola. Nada de clips na cabeça. Me vejo tocando com a banda, sou o quinto integrante de uma série de bandas mundo afora. Sempre me orgulhei disso. Mas aquele som luminoso, cheio de virilidade, já era velho. A luz que invadia meu quarto vinha da habilidade de 4 jovens músicos. Nos raios daquela luz eu via a banda como num filme em 3D, minha imaginação era forte o suficiente para criar esse efeito especial. Naquele dia ouvi a primeira faixa várias vezes. Depois a segunda. Um dia uma amiga foi ouvir o disco comigo, essa era a outra coisa legal do vinil, garotas iam até a casa da gente para ouvir as novidades. Então ela perguntou, “Você não ouve as outras faixas?”. Claro, havia ainda uma longa jornada musical no LP a ser descoberta. Hoje tenho a clara convicção que os LPs são máquinas do tempo. Quando ouvi o LED ZEP pela primeira vez, em 1980, como já disse, o baterista estava próximo da data de sua morte, ela ocorreria em setembro de 1980 e eu havia embarcado na Nau Zeppeliniana em abril do mesmo ano. Tinha uma longa jornada por toda a discografia da banda, mas no tempo real, ela já estava no último suspiro. Em breve o altar estaria com a bateria vazia, e eu em plena preparação para voar na mais significante trilha sonora que meus ouvidos já saborearam; em se tratando do bom e velho rock. Ainda não terminei minha jornada na discografia do Zep, porque não sei quantas vezes se é necessário ouvir cada disco, cada nuance. Em 2007 eles se apresentaram com o filho do baterista ocupando o lugar vazio no altar. E eles começaram com essa primeira música do primeiro disco: Good times, Bad times. Então as minhas lembranças se juntaram ao presente e uma vertigem tomou conta do espaço. O tempo, a vida e a música estão sempre num carrossel, por isso podemos largar as rédeas e deixar o cavalo nos levar por essas terras ermas, por essas harmonias de chumbo-flutuantes. Nós não corremos perigo.

O grito da arte


Eduard Munch pintou o quadro ao lado e deu-lhe o título de O Grito. No fim do século XX as artes plásticas se divorciaram das aparências do mundo, do elevar-se pelas cores e luzes do sublime que se esconde em nós, meras criaturas em busca de um sentido para nossa extenuante jornada efêmera. A arte moderna, pós-moderna, deu as mãos aos significados do mundo. O Grito não é pra se ver, mas sim ouvir. Munch pintou um quadro onde se ouve a agonia da existência. Por isso tem o mesmo efeito em preto e branco ou colorido.
As aparências do mundo, seu sentido e beleza, tornaram-se objetos da ciência. Um vídeo sobre física quântica é magistralmente feito para revelar a beleza das aparências das coisas. A simetria dos fractais, a explosão espetacular do átomo, a química levada à sua extrema potência, mais a admiração do espectador de olhos na tela de uma TV a cabo, são o novo palco dessa nova ciência que não busca mais o significado das coisas, mas sim o deleitar humano através das aparências dos fenômenos.
A música também passa por tal inversão similar. O RAP, o Hip Hop, o Funk super-valorizaram a prosa na música. Ou melhor, trocaram a melodia pela literatura, harmonias substituídas pela seqüência de palavras ditas sem fôlego, como nos mântras do hinduísmo e orações do islã. Uma música feita não só para dançar, mas para se falar enquanto se dança, com um gestual impositivo; os dedos indicadores denotando verdades, a cara franzida, sem paciência. O teor das letras é panfletário, ou sexualizado. Panfletos necessitam de postes, muros, para serem fixados. Esse é o novo papel da música, sons organizados para se transformarem em postes e muros para territorialização da música falada. A música por si só já não comove as massas. A música morreu e a sociedade de consumo nasceu. Os clips das MTVs podem ser vistos sem som, basta a imagem. São todos iguais, bocas fechadas ou não. O mesmo ritmo é executado até que o corpo anseie desesperado pela imobilidade e os ouvidos pelo silêncio. Como ouvintes, encontramos a felicidade no silêncio que vem depois da execução das peças da música pop moderna. O prazer está nos intervalos entre uma música e outra.
Ainda há velhas formas se propagando, logo não combinam com o moderno. Fósseis musicais. Talvez a culpa da decadência de hoje seja em função do reproduzir-se o mais rápido possível, e tudo dentro de uma fórmula que fosse vendável. ‘Tempo era e é dinheiro’. Afinal, qual o tempo da durabilidade da apreciação de uma obra de arte? Qual o tempo de sobrevivência de um disco? Seria sua vendagem ou seu impacto nas sensações humanas? Orfeu foi substituído por uma máquina de lavar roupas que propaga ruídos de engrenagens lubrificadas com sabão em pó. A arte grita. Era esse o recado de Munch?

Instrumental I