“..a salsicha está chorando pela morte da lingüiça, no meio do
macarrão!” Meu tio ‘Vito Mello’ (Francisco de Paula Victor) cantava isso pra
gente, quando éramos crianças, um bando de primos ao redor do tio pra melhor
entender o mundo, nas manhãs de sábado, na casa da avó. O verso era uma
adaptação do mais belo clássico do Carnaval, Máscara Negra, “...tanto riso, oh!
quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...”. Obra do grande Zé Kéti.
Em tempos passados, sabíamos que o Carnaval era uma festa em que
se usava as máscaras para que a celebração da carne se perdesse num universo de
estereótipos e tudo, inclusive os pecados cometidos no salão, se diluísse como
numa trama teatral. Os corpos, poeticamente, escondiam suas identidades
verdadeiras atrás dos anseios dos personagens e, enquanto isso durava, a carne
usufruía do prazer. Findada a terça-feira dourada, tirava-se as máscaras e
amanhecíamos puros.
A devassidão evaporava nas fantasias que eram guardadas em
gavetas profundas, túmulos que só seriam abertos na próxima estação, onde o
Pierrot, a Colombina, o Arlequim, o Pirata, a Odalisca poderiam ressuscitar
para o retorno da renovada festa da carne.
Já nos carnavais modernos ocorre o contrário. O pau canta,
literalmente, com o consumo de drogas e álcool ao limite, violência, descaso,
poesia morta, música de péssima qualidade, encontros religiosos fora de hora,
exploração consumista fútil, vide desfiles de Escolas de Samba no Rio de
Janeiro.
Inverteu-se a lógica: tira-se as máscaras no Carnaval e a besta
fera, reinante nos homens pós-modernos, barbárie à base de especulação
financeira, explode e se apodera do mundo. Findada a terça-feira, coloca-se a
máscara do homem comum sobre a máscara do homem-besta-fera, que é o próprio
rosto de quem se olha no espelho para viver o dia-a-dia.
Sem poesia e teatralização não há Carnaval. Se engana quem pensa
que a finalidade dessa crônica é o saudosismo e/ou um discurso falso moralista.
A Fantasia dos Carnavais que nos formaram, com seus foliões mascarados e
canções inesquecíveis, tinham um objetivo quase que pedagógico, pois projetavam
a Humanidade num mundo de sonhos, que saboreados, resultavam em poesia. Ao retornar a
Terra Cotidiana, no pós-quarta-feira de cinzas, era inevitável que passassêmos
a entendê-la como um lugar que poderia ser sempre melhor. Menos burocrática,
menos institucional e definitivamente humanizada. Esse sempre foi o
efeito das bênçãos de Dionísio, o deus do vinho e das festas dos mascarados;
esse é o papel da ficção carnavalesca.
A inversão da lógica na Fantasia do Carnaval moderno, pelo
contrário, não é sinônimo de avanço cultural: invadir os territórios dos sonhos
com a realidade, só nos fará mais bárbaros e bestas-feras. O Carnaval não é
vídeo game de Guerra que acontece no Iraque, com algum anglo-saxão no comando,
que normalmente não entende nada de samba. Precisamos de mais caipirinha e
samba; menos uísque com red-bull e raves à base das mesmas batidas: Bum! Bum!
Tum! Tum! Que não dizem nada.
A morte da teatralização, e de sua trilha sonora, tem suas
conseqüências nefastas para vida sobre a Terra. Os exemplos estão em toda
parte: o funk: uma música para quem não gosta e/ou sabe o que é uma música;
Zorra Total no lugar dos livros e das peças de teatro; máscaras de santos no
lugar da face de Dionísio; Armas, socos, carros dilacerando carne. Patético se
não fosse decadente.
“Atravessando o deserto do Saara, o sol estava quente e queimou
a nossa cara”. E nessa hora, ao ver a morena de olhos verdes, me lembrei que
sempre quis beijá-la. Então a convidei para bebermos uma cerveja gelada:
— O que você acha?
— Mas eu sou noiva!
...— Se colocar a máscara da Colombina não será mais e até o fim do baile!