E eis que o
anjo pousou os pés no chão, na fronteira de três reinos abandonados. Encontrou
três homens ensimesmados, cada um exercendo sua função mecanicamente. Um
assentava tijolos, outro cortava madeira e o último pastoreava cabras.
Diante do
anjo, os três receberam as ordens em silêncio. Tinham que atravessar o vale na
direção à estrela no horizonte, que apareceu assim que o anjo levantou o dedo e
indicou a direção. Lá nasceria uma criança que deveria ser presenteada.
Os homens se
arrumaram, vestiram sua melhor roupa, prepararam os animais e abasteceram os
alforjes de trigo, sal e roupas. Despediram-se dos familiares. Teriam que
atravessar uma imensa cidade para chegar até o ponto indicado pela estrela. Um
deserto às avessas, repleto de fariseus, ganância, vaidade e desperdícios.
O primeiro
grupo de homens que encontraram, gritava ensandecido, com os braços erguidos,
diziam que oravam em línguas e recolhiam dinheiro da platéia embasbacada que,
por medo do inferno, doava de maneira compulsiva, sem o mínimo de reflexão. Os
três viajantes, ali, não receberam atenção alguma.
Mais à frente,
outro grupo de homens, em terno e gravata, gritava contra o Diabo e espancavam
um homem no meio da rua. Usavam as Bíblias impressas como pedras. O corpo do
homem, que fora acusado de se deitar com outro homem, sangrava e a alma era
ferida pelo aço das palavras daquela gente que julgava sem a menor compaixão.
Também ali não
foram ouvidos os três caminhantes, seguiram em frente e se deparam com dois
grupos que habitavam a mesma praça. O primeiro se dizia possuidor da informação
e sabia tudo sobre ela e ainda mais, que a liberdade do mundo dependia deles,
proprietários da verdade; o segundo se auto-proclamava responsável pela
produção do conhecimento e, com microscópios e tablets em mãos, propagavam que
poderiam resolver tudo no mundo.
Porém, a maior
provação dos viajantes foi diante dos homens que diziam poder administrar tudo
aquilo. Tinham na mente as teorias corretas para sanar o caos da realidade,
bastava pra isso que se votasse neles e em seus partidos. Eram profissionais
que se reelegiam constantemente. Uma façanha sem precedentes o fato de serem
sempre os mesmos, amigos e inimigos, a se revezarem no poder.
Melchior,
Baltazhar e Gaspar fugiram o mais rápido que puderam da ação daqueles homens
partidários, mas não dos males daquela cidade. Viram-se diante da última ‘instituição’
daquele lugar, o chamado templo da justiça. Mas em poucos minutos de
observação, onde repórteres se aglomeravam à porta, sob a estátua da Justiça, e
anunciavam que dali sairia o novo Messias, negro como ébano, a verdade por
debaixo das aparências veio à tona: os juízes atravessam a rua e consultavam,
primeiramente, os banqueiros e empresários antes de qualquer veredicto.
Finalmente, fora
da cidade, os três puderam respirar aliviados. Olharam-se e parecia que haviam
envelhecido anos e anos. Depararam-se com a estrela pairando sobre um estábulo.
Aproximaram-se e viram duas mulheres cuidando de uma criança; logo entenderam
que as duas o haviam encontrado sozinho, abandonado.
Sentiram no
coração que era àquela criança que deveriam entregar os presentes. Assim que o
fizeram, descobriram que as duas mulheres se amavam e de mãos dadas,
acariciavam o bebê que sorria em pureza. Assustados com a idéia de duas
mulheres tão lindas se amarem, em mantos vermelhos e azuis, duvidaram que as
duas poderiam criar a criança com dignidade. Mas em seguida lembraram-se do
trajeto que fizeram, das atrocidades que viram e da sujeira que amalgamava o
tecido social e se envergonharam pelo preconceito. Ajoelharam-se e agradeceram
o dom da vida. O anjo apareceu num clarão de luz e olhou para todos os leitores
dessa crônica e disse:
— Infeliz
daquele que troca o amor pela hipocrisia.