Só ‘vai pro
céu’ quem for capaz de viver em paz consigo mesmo. Aquele capaz de olhar a
mudança lenta e constante das estações. Quantos pássaros freqüentam a árvore de
seu quintal? Saber isso é um pré-requisito imprescindível para se alcançar o
paraíso. Há outras coisas que precisamos aprender para encontrar a paz: quantas
ondas batem diariamente nas areias das praias de Ubatuba? Ou ainda, sentir o cheiro da chuva, que é
terra molhada, um momento antes de saborear um gole de vinho português.
O caminho mais
longo para o céu é através das Instituições religiosas, que são apaixonadas
pelo sofrimento. Teólogos, by Paraguai, dizem de boca cheia que o termo, Religião,
vem do latim e quer dizer religare. Ou seja, se re-ligar a algo do qual
você já fez parte. Todos, dessa forma, têm um desejo ‘inconsciente’ de retornar
pro lugar de origem. Mas do que adianta voltar ao seio da luz com a alma
atormentada pelas urgências da vida banal e patética que vivemos? Esse papo de
encontrar o ser perfeito, puro e eterno, é caô. Como alguém que ainda não se
encontrou consigo mesmo, e nem com os que lhe estão próximos, vai alcançar a
perfeição? Parece pura pretensão da bolha de sabão que deseja ser águia.
Quando se
pratica ‘o fazer nada o dia inteiro’, nos deparamos com alguém que tem a alma
vagabunda. Somente aqueles que gostam suficientemente de si mesmos podem ficar
à toa. E não significa que são uns à-toa. Quando passam a gostar de si mesmos,
conseqüentemente, se apaixonam pelos outros. Tudo fica mais fácil: se enamorar,
partilhar pequenas delícias, cultivar leves indecências, amar palavras
secretas, usurpar partes de poemas para se roubar beijos, possuir pedaços de
outras almas e finalmente, tornar-se um polígamo virtual.
Vinícius de
Morais era um polígamo real. Amava a música, as mulheres, o uísque, a banheira
em que compunha canções, as amizades —, que em nossas vidas são como as monções
de inverno e verão — e, acima de tudo, amava ficar à toa, olhando pro mar e
tentando fugir o máximo possível da morte. A felicidade de poder encontrar a si
mesmo, pelos caminhos da vida, desperta um profundo anseio de viver pra sempre.
Somos muitos
dentro de uma casca perecível. ‘Legiões’ representando papéis teatrais escritos
por mãos nem sempre generosas. Culpamos o destino quando a tragédia nos envolve
em situações asfixiantes. Mas é só falta de coragem de expulsar, de dentro de
nós, esse espectro de personalidades que nos torna ‘um Legião’. O fascista, o
advogado, o capitalista, o religioso, o mestre, o comerciante, o vaidoso, o
atleta, o faxineiro, todos eles, sem exceção, devem ser expulsos de nós. Que
sejam abismados nas nuvens e se tornem chuva sobre o sertão.
Quem deve
sobrar? Você deve estar perguntando. Não sei, se desse a resposta, assim, sem
pensar ou sentir, não seria autêntico, mas algo fabricado por mim para parecer
verdadeiro aos seus olhos. Quando estou a fazer nada, penso em Saramago e nos
palhaços. Devo expulsá-los de mim? Para me encontrar comigo mesmo tenho que ser
justo e imparcial para a expulsão de todos que compõem minha alma. Mas como
suportar a ausência de palhaços nos salões de bailes? Com quem irei conversar,
quando Saramago deixar de ser parte de mim? Que palavras irei usar para
explicar o mundo a partir de então? Mas
pra que explicar o mundo?
Só sei que nada quero
saber, — bem diferente da mentira dita por Sócrates para parecer humilde e
disfarçar sua sagaz e vaidosa inteligência. Voltando ao tema: vou publicar um
decreto: as portas de minha mente estão abertas, que todos partam em paz. Você não pode ver,
mas assim que decretei isso, enquanto escrevia essas pobres palavras, apareceu
diante de mim uma ‘escada para o céu’. Tudo bem, você não pode vê-la, então
ouça. É a quarta música do quarto LP do Led Zeppelin.