quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sísifo


Sísifo é personagem de um mito grego antigo, um homem que enganou aos deuses porque gostava da vida. Quase que um Pedro Malasartes da mitologia. Ainda vivo, convenceu sua mulher a jogar seu corpo, quando lhe chegasse a morte, no meio da rua e que não o sepultasse. A mulher cumpriu a promessa. No mundo dos mortos, Sísifo convenceu o deus da morte, Hades, de que precisava se vingar da mulher, que lhe negara um sepultamento digno. Hades caiu na conversa e liberou Sísifo a voltar pra Terra.
Porém Sísifo não foi atrás de sua mulher, pelo contrário, se refugiu numa praia e passou a curtir a vida. Hades, passado um bom tempo, percebeu que fora enganado e foi à captura do pilantra. Depois dessa arte, Sísifo foi condenado a rolar eternamente uma pedra morro acima, que um segundo após instalada no topo, rola ladeira abaixo e ele tem que voltar e recomeçar a tarefa, e isso é pra sempre.
A mensagem do mito, segundo Albert Camus, está relacionada com o absurdo que é a própria existência. Sísifo cumpre seu castigo sem pedir nada aos deuses e nem tem esperanças de que algo melhor acontecerá. Apenas executa sua rotina silenciosamente, como bilhões de operários, comerciários, professores, policiais e qualquer outra profissão que exija rotina e torne a ideia de destino algo inevitável.
Se não podemos controlar a própria vida, instaura-se assim o absurdo como essência da condição humana. Pra que viver se vamos morrer? Há um aprofunda ausência de sentido em morrer, envelhecer, padecer e sentir-se impotente perante as tramas do universo que não se importa com a humanidade.
Os professores, por exemplo, ensinam às gerações mais jovens o quanto é necessário reorganizar o sistema para torná-lo mais humano e assim libertar a humanidade da barbárie que lhe é intrínseca. Mas ocorre que, quando os jovens se tornam homens, se apoderam do sistema e se tornam os algozes de seus antigos professores quando criam leis, regras, otimizações, reciclagens, sinergias e bobagens mais com base na melhoria da autossuficiência do sistema, em detrimento da qualidade de vida dos indivíduos. Eis a ironia do absurdo: os professores educam os próprios carrascos.
Quer um exemplo: foi um sociólogo, Fernando Henrique Cardoso, formado na USP, que praticamente destruiu a aposentadoria dos brasileiros com a criação do fator previdenciário. Sim, um sociólogo que na ânsia por atender ao sistema financeiro, permitiu que milhões de brasileiros passassem a receber uma aposentadoria aquém de suas necessidades.
Eis o absurdo: pagar por uma aposentadoria que não se vai receber. 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Uma noite na Ópera

Uma Noite na Ópera é o título de um filme dos Irmãos Marx, de 1935. Um deboche ao status quo que, ao se apoderar da música, a transformara numa mercadoria descartável, quase que totalmente desvinculada da transcendência, princípio essencial dessa arte. É na execução de uma obra musical que vamos além de nós mesmos e podemos entender nossa tragédia, o papel dos deuses, o significado dos mitos e sem necessidade de texto algum; somente os sons organizados apolineamente para nosso deleite em estado dionisíaco: o vinho de Dioníso e a matemática de Apolo prontos a nos servir.
Conta a Mitologia Grega que o deus Dioníso tinha um seguidor, Sileno, que, quando em estado de embriaguez profunda, produzia vislumbres e até mesmo profecias belas e assustadoras. Desvendava a perecível condição humana através das sensações causadas pelas artes, sobretudo da música. Sileno, dessa forma, foi aprisionado pelo Rei Midas e, sob tortura, foi obrigado a revelar o trágico segredo da humanidade, o qual Sileno havia aprendido com Dioníso: que o melhor para a humanidade era não ter nascido, não ter conhecido a existência.
É nesse espaço em que se sente o trágico, mas não se é possível descrever o motivo pelo qual teria sido melhor não ter existido, que a humanidade se entrega à música e como não poderia ser de outra maneira, com lágrimas nos olhos. Pois quando se depara com a própria imagem perecível, entregue à ferrugem do tempo e à impotência diante do desenrolar da própria história, é que a humanidade entende a si mesmo e de maneira inegável.
Não há ideologia, religião ou riqueza que possa substituir a transcendência causada pela música, ou mesmo o elevar-se humano em deleite por si mesmo, mas sem ser masturbatório. Só a música pode explicar porque conhecemos pessoas quando já é tarde demais, à hora em que o pó já está nos chamando para nos juntarmos a ele; ou quando não podemos explicar o romance da juventude que não deu certo; menos ainda porque temos que aturar a imbecilidade e sorrir de piadas sem graça para agradar a quem tem autoridade sobre nós. Isso é a substância da música.
Além da Mitologia Grega, amo a Mitologia Judaica, que diz em suas histórias que o mundo, às vezes, é tomado por capangas de Amosdeu, pequenos diabretes que saem à caça de espíritos supérfluos que se deleitam com a própria imagem no espelho e se regozijam com o vazio da mente; esses são os futuros habitantes do inferno.
E em tempos ditos pós-modernos, esses candidatos à condenação estão, mais do que nunca, à solta: se contentam com o consumo de bobagens, mantêm o cabelo alisado e/ou pintado, usam roupa de grife, escutam funks cariocas, ‘sertanjo universotários’, pagodes, the voices, música cristã carismática e excrementos mais. O Inferno é o reino dos medíocres.
Por isso entendo claramente a cena do filme dos Irmãos Marx, Uma noite na Ópera, quando Groucho Marx chega de carruagem à porta do teatro onde está ocorrendo uma Ópera. Antes de descer, ele pergunta ao porteiro do teatro se o‘espetáculo’ já acabou. O porteiro responde que não. Então ele bate nos ombros do cocheiro e diz: “Dê mais uma volta no quarteirão!”.
Os quarteirões de Nova York são grandes, muito grandes. Leva tempo contorná-los. Então Cronos e a distância permitem que Groucho seja abençoado pelo silêncio, pelo menos no filme. É que sua carruagem sai de cena, mas a câmera, em contrapartida, leva o espectador pra dentro do teatro, pra primeira fila onde a idiotice é encenada.
       Melhor parar por aqui. Vou abrir minha garrafa de vinho e ouvir The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd; depois vou ouvir “Uma noite na ópera”, do Queen. Isso sim, é um Belo horror.






Melhor parar por aqui. Vou abrir minha garrafa de vinho e ouvir The dark side of the moon, do Pink Floyd; depois vou ouvir “Uma noite na ópera”, do Queen. Isso sim é um Belo horror.