Apocalipse
é uma palavra que vem do grego e quer dizer revelação, ou o ato de despertar.
Em nossa cultura judaico-cristã tornou-se sinônimo de um cataclismo, um colapso
anunciado por um discurso obscuro sobre o fim dos tempos e que se personificará
com a destruição de tudo o que conhecemos no mundo tal como ele é. Apocalipse é
também o nome do último livro da Bíblia, escrito por João, no Novo Testamento, e
que por meio de uma linguagem subjetiva descreve a estética do fim da vida na
Terra.
Creio
que tal evento, se ocorrer, será exclusivamente em nossas mentes, no
intra-humano, no intra-crânio, na maneira como entendemos o mundo e sobretudo
no valor dos outros humanos e animais para nossas vidas; seria o fim do senso
comum cooperativo. Em outros termos, quando tal cooperação desaparecer por
completo da face da Terra, a mente individual encontrará um ambiente tão
angustiante quanto solitário, ante ao peso de um universo indiferente à nossa História.
Seremos julgados por uma natureza que não sabe o que é o bem ou o mal, mas que
seguirá seu fluxo sem se preocupar com quem estiver vivo em seu seio. Sim, a
natureza continuará sem nós se continuarmos a achar que podemos viver sem ela.
O
primeiro sintoma do Apocalipse ocorreu no final do século XIX, quando a
humanidade se entendeu como moderna e sonhou, delirou e acreditou que poderia
viver uma vida desvinculada da força natural que a trouxera até aquele presente
momento. Máquinas, protocolos e inteligência, a todo vapor, na busca por
excesso e desperdício.
A
mola propulsora do sistema passou a ser
a insanidade. E as camadas de subjetividades extraídas da loucura da
vida moderna tornaram-se conhecimento. Justificá-lo com teorias de gestão e
marketing , num seqüestro constante da ética e da moral para um espaço-tempo
repleto de urgências, ansiedades e patologias disfarçadas por uma infinidade de
planilhas, passou a ser o sentido da vida. O essencial do ser, nas sociedades
modernas, deveras, passou a basear-se no descartável alcançado pelo excesso de
uma produção continuamente revigorada por si mesma, a qual nosso livre arbítrio
e escolhas são ineficazes e imperceptíveis. Aceitar a perda da liberdade como
sinônimo dessa mesma 'liberdade' foi nosso primeiro pecado 'civilizatório'.
Pobre
daquele que pensa que o Apocalipse virá em função das escolhas sexuais dos
habitantes da Terra, ou sobre os prazeres ínfimos dos prisioneiros da
urbanidade, dos submissos ante as decisões dos donos do Capital com suas
profundas manipulações pelos meios de comunicação e pelo mundo acadêmico. O
Apocalipse será a solidão alimentada por um esperança de um futuro melhor numa
terra desolada e devastada pelo pensamento único, somado à omissão. Nos
tornamos intolerantes para com as escolhas sexuais alheias e tolerantes para
com a corrupção, a violência (fardada e/ou civil) e mais a extinção da
natureza.
Mas
alguns anjos já estiveram entre nós, só que não os ouvimos. Manoel de Barros
pediu, em sua obra, para que nos conectássemos com a beleza do ínfimo, das
coisas singelas. Henry Thoreau disse que, se ficássemos sentados observando a um
bosque, nos chamariam de vagabundos; já se cortássemos as árvores e depois
fizéssemos um muro ao redor da desolação desarborizada, diriam que somos
empreendedores.
A auto-infidelidade
que praticamos é nossa rota para sentimentos depressivos e agonizantes, eis o
Apocalipse. Sonhamos com muros que separem pessoas com base no poder de consumo;
desejamos que drones exterminem as periferias; que pinturas sejam proibidos em
museus; que pensar no outro e praticar a alteridade sejam coisas arcaicas e que
devem, sistematicamente, ser esquecidas. Dar-se-á o fim, quando inteligência e
consciência divorciarem-se definitivamente.