segunda-feira, 30 de setembro de 2013

As ‘Olavetes’




O Brasil já se igualou aos países do chamado primeiro mundo em vários aspectos. Um deles é na quantidade de falsos intelectuais que fazem a cabeça de gente que não tem a própria. Antigamente, quando exposta a insipidez do raciocínio do ‘anencéfalo’, atribuía-se a ela a função exclusiva de portar chapéus. Com o decorrer da modernidade digital, a alcunha transmutou-se para ‘cabeça-de-bagre’; hoje podemos chamá-los de orcs, trolls, tucanos, filhotes de bolsonaros, malafaites, infelicianos, olavates e derivados.
As olavetes, especificamente, são os seguidores do ‘filósofo’ Olavo de Carvalho, que prega, entre outras bobagens, que toda esquerda política deve ser ignorada e até exterminada, porque faz raciocínios generalizantes. Exatamente com ele o faz ao definir a esquerda. E mais: usa e lambuza de conceitos antropológicos quando afirma, por exemplo, que não existe a homofobia. Rebaixa a Filosofia ao nível teológico ao dizer que, esse mundo é um rascunho, — que Platão o perdoe — , de algo maior. ‘Em suma’, é a própria essência do pensamento conservador que ainda dá sustentação a melancólicos episódios da História do Brasil, como o golpe de 1964, e a manutenção da ditadura à base de porretes. Até Dostoievski se torna um anão literário diante da interpretação empobrecida do ‘filósofo’ sobre o escritor russo e a finalidade de sua obra.
Claro, discordo em gênero número e grau dessa baboseira conservadora e da marcha ruminante das olavetes na busca pelo poder e pelo monopólio do saber e pelo ansioso desejo da posse exclusiva da crítica intelectual ao mundo que nos rodeia. Em analogia, Olavo & suas olavetes habitam um latifúndio improdutivo, recheado de sectarismos e propenso a um flerte perigoso, e não menos asqueroso, com as concepções totalitárias do nazifascismo.
Cuidado leitor, não caia nessa de que todo remédio contra o petismo, o chamado anti-petismo, tenha soluções exclusivamente conservadoras e de extrema direita. É possível ir além do PT com mais democracia, mais inclusão, mais tolerância, mais liberdade, mais espaço para a arte, com mais subversão, com mais liberdade sexual e não o oposto, que é a militarização do pensamento como oposição unicamente possível, em nossa política atual.
Sem liberdade, subversão e democracia não teríamos a evolução da arte. Não teríamos Pink Floyd, Van Gogh, Pissarro, Led Zeppelin, The Beatles, Villa Lobos, Guimarães Rosa, Miles Davis, Miguelangelo e mais uma diversidade de produções artísticas. Diversidade, não uniformidade. O bom e velho Nietzsche já dizia que quanto mais Estado, menos Arte. Mas muita gente não entende que quanto mais o Estado vier a se moldar em nossas vidas de indivíduos, mais livres seremos; o oposto é o Totalitarismo. — Quase ninguém entende Nietzsche. Normalmente são os mesmos que não entendem o ENEM.
Mas a pergunta a se responder é: que tipo de indivíduos somos? Nenhum e todos, somos diversos. É justamente aí a importância de um governo popular que, através da legislação e da implementação de programas sociais contínuos, vai destruindo os conceitos fascistas enraizados no senso comum conservador e vai derrubando o último altar das viúvas dos Estados Capitalistas Totalitários: a meritocracia.
A meritocracia é imposta aos pobres e miseráveis como a única maneira de evoluir na vida. Imagine por um momento, os porta-vozes do conservadorismo: Veja, Folha de São Paulo, Globo, Estadão e outros similares sem o Bolsa Imprensa. Sem os milhões que recebem do Estado como propaganda obrigatória. Uma lei criada em tempos de mídia impressa, eu sei, e de canais exclusivamente alcançados por concessões estatais.
A internet, com seus blogs, jornais, mídia ninja, redes sociais e you tubes da vida, pode nos fazer economizar um dinheirão público. Afinal, por que alimentar empresas como a Globo, a Abril e outros que vivem de maneira muito pouco ‘meritocrática’ em tempos de informação digital? Sim são mistérios que as olavetes, e menos ainda as ‘azevetes’, seguidoras de Reinaldo Azevedo, podem explicar.   

sábado, 21 de setembro de 2013

Fiz um solo de guitarra sobre uma base (track) 'floydiana'....



Ao deus Dionísio:

"oh deus!, que mora na escuridão da canção,
quero pedir perdão pelos lábios
que não beijei,
pelas noites de luar que não cantei.
Por deixar de amar".    

Qualquer coisa Pink Floyd é dedicada aos Dybbuks da vida.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O amor e o cadáver


“Ser feliz é sorte e a parceira morte não diz onde está você”.  A morte é uma parceira constante, capaz de fazer versos fantásticos. Sempre que preciso escrever algo e tanto a inspiração quanto a transpiração negam o ar da graça, procuro minha mesa no quintal, sirvo-me de minha branquinha (que de fato é amarelinha) e puxo a outro cadeira para que minha morte possa se sentar. A morte não bebe, disse-me que esse hábito não faz bem a saúde.
Segundo Dom Juan, personagem de Carlos Castanheda, ela está sempre ao nosso lado esquerdo, e em dias de descuido, — porque tudo no mundo do além túmulo não é muito preciso —, podemos vê-la com um olhar de esguela (com o canto dos olhos), mas é coisa rápida. Dá pra ver a roupa preta e, com um pouco de sorte, a ponta da gadanha; ela é prateada. A foice da morte nunca derramou uma gota de sangue, quando ela toca num corpo inanimado, o sangue já está paralizado.
Foi ela que me ensinou, através de Singer, que um cadáver é poderoso por demais. Já não responde mais às palavras, não precisa mais obedecer ninguém nessa terra de ninguém e está livre da alma; não vai nem pro inferno e nem pro céu. Apenas transformar-se-á, porque nada se perde no universo de Lavoisier. — Acho a palavra transformar-se-á uma das mais belas esculturas da língua portuguesa, o futuro do presente, que é a morte.
Aquele corpo inerte amedronta aos outros que estão vivos; inspira o silêncio. Quem tem medo do silêncio não deveria morrer, não deveria se aventurar nessa partitura de jazz praticamente ilegível. Cercamos nossos cadáveres de flores, na esperança de que a morte seja um jardim, onde possamos brincar com velocípedes e cantar canções de roda. Mas é tudo um profundo silêncio, não somos mais um ser em ato. Só memória em potencial. Passamos a ‘ser algo que só poderia ter sido’.
Nosso corpo é dotado de uma irracionalidade profunda. Vem apodrecendo de fora pra dentro, somos observadores privilegiados da contínua ‘cadaverização’ de nossos corpos, nossas jangadas. O cabelo branco, o ranger das juntas, a secura dos olhos, o afinamento das pernas, as varizes, a miopia, a próstata... ah! a bendita próstata, guardiã do veículo líquido do prazer que, independente da idade, quer continuar com seus portais abertos, mas o sangue não ajuda, não circula, as veias perdem a elasticidade dia-a-dia; num paradoxo, a conseqüência disso é a ausência de firmeza.
E o amor, onde entra nessa ópera bem ao estilo dos irmãos Marx? Enquanto eu descrevia meu exuberante trajeto decante corporal, minha morte era só sorrisos. Há um toque de humor negro nesse projeto que nos permite criaturas de carne. Mas podemos vencer o sadismo da vida quando olhamos nos olhos de quem se ama, tão profundamente, a ponto de entendermos que somos capazes de escrever um soneto, uma canção, dar luz a um desenho, ou dar formas a uma escultura. Sentimos algo que os deuses não podem sentir. É por isso não podemos explicar o amor, se o fizermos, os deuses tomaram conta dele.
“Porque é fogo que arde sem se ver” que o amor se torna misterioso. O coração humano é a caixinha de Pandora dos deuses, no frágil momento em que ela se abre, quando somos tocados pela morte, eles desejam profundamente capturar os vapores que emanam dele, um perfume a ser guardado num frasco para se usar a bel prazer. Mas o amor sempre trai aos deuses.
Freddie Mercury escreveu, numa das mais belas canções do rock, Bhoemia Rhapsody: “Mama, matei um homem. A vida mal havia começado, mas puxei o gatilho”.  O homem morto era ele mesmo. Matou a si mesmo sem sair da vida, sacrificou o que havia dentro da sua própria ‘moral zoroastra’ (deuses não podem fazer isso). Termina a canção dizendo que: “Belzebu é um demônio que vive e existe somente pra mim... e que realmente nada importa. Pra qualquer lado que o vento soprar”. Ao se matar metaforicamente, Mercury antecipou toda a degeneração implícita ao animal racional universal e tornou-se livre para amar, ou pelo menos tentar amar e ser amado.
Pra quem não sabe, minha morte tem a voz de Baddy Guy no blues ‘living a proof’. Não conhece? Pô, já existe you tube!
  
                                                     

    

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O 'Diabolus Citation'



Citation, no latim, quer dizer citação. É um demônio do mundo acadêmico que vive a assombrar os calouros do conhecimento. A finalidade de sua obra é espalhar as trevas entre seus alunos. Mais fácil explicar seu ‘ofício didático-pedagógico’ usando um exemplo oposto da mitologia grega. Prometeu, filho de Jápeto, um Titã, havia criado a humanidade misturando o barro da Terra às suas lágrimas. Atena, deusa do Olímpo, deu a essas pobres criaturas a alma. Mas é fato que a humanidade criada por Prometeu vivia nas trevas e em profunda ignorância. Eram seres abissais.
Prometeu, como todo bom criador, sentiu compaixão por suas criaturas e percebeu que elas poderiam ser melhores do que eram. Por isso roubou o fogo de Zeus e o entregou aos Homens. O fogo correspondia à razão, à fagulha do pensamento que possibilitou ao Homem entender mais e mais sua condição existencial, em contrapartida ao privilégio da ‘eternidade’ dos deuses. As diferenças entre o Homem e o inseto, sem a visão racional, ‘seriam praticamente imperceptíveis’.  
Com a posse do fogo da razão, os homens exilaram, lentamente, os deuses nos labirintos da literatura, e se apossaram do mundo físico. Por mais que Poseidon, na Odisséia, desejasse castigar Odissius (Ulisses), para que este entendesse que o Homem não era nada sem os deuses, a humanidade encontrou forças para seguir em frente em sua jornada evolutiva. Enquanto que os deuses jamais conseguiram interromper sua contínua trajetória descendente às páginas das ficções. O gesto de Prometeu fez um estrago permanente no domínio dos deuses sobre a mente humana.
Mas os deuses, em contínuo silêncio, nunca desistiram de sua vingança. Soltaram dos calabouços da mediocridade o demônio Citation, imbuído da fervorosa missão de abismar, novamente, a Humanidade na lama das trevas. Para isso Citation se multiplicou e hoje habita os centros acadêmicos do mundo pós-moderno ocidental. Numa aula sobre a cultura celta, num exemplo, Citation solta sua névoa intoxicante à base de citações, e é capaz de citar o penteado de Einstein, a tabela periódica de química, os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas, a teoria do Big-bang, a importância do direito canônico, as diferenças entre a 1ª e 2ª edição de um livro de poesia de Castro Alves e por fim... do que era mesmo aula? Isso perde importância, a platéia já se desconectou do mundo e já não sabe mais porque veio até àquela aula para ouvir algo que lhe deveria ser importante. Eis as trevas.   
Citation trabalha no sentido contrário ao de Prometeu. Se este deseja tirar a humanidade das trevas com a luz da razão, que estimula a crítica, o sentido prático e teórico do saber, além do próprio papel do conhecimento no mundo, o outro, de maneira diabólica, quer criar um mundo paralelo, um simulacro da sabedoria diante dos olhos de suas vítimas. Entre o significado do mundo e do Homem, Citation cria uma miragem, uma Disneylândia à base de conceitos terceirizados.
E quando percebe a expressão de assombro de seus ouvintes, — que nunca ‘entendem’ nada de nada — Citation tem um orgasmo, um gozo tecnocrático, pois percebe que está diante da germinação das trevas; é seu momento de glória, sua vitória particular sobre Prometeu, que beneficiou a humanidade com a luz da razão. Basta uma aula do Citation para se perceber a morte da razão.
Mas não fique triste se, após ler essas parcas linhas, você descobriu que está sob o domínio de um Citation, num pleno velório da racionalidade. Há um grande remédio contra esse mal: Voltaire nele! E não se preocupe, não há contra indicação para utilização do cinismo do mestre iluminista.
Caso Voltaire não seja forte o suficiente para abismar o ‘Baal Citation’ pra fora do corpo que não lhe pertence, não tenha uma crise de nervos. Nietzsche dissolve qualquer idiotice moderna e pós-moderna. A luz que emana de Zaratrusta é provinda diretamente de Prometeu, e é forte o suficiente para espantar os deuses e seus feitiços menores espalhados pelo caminho. Numa mente sem uma gota de metafísica, Citation é menos que papel usado. Não há razão para ter medo, as trevas nunca vencerão a luz da razão e de sua crítica. Ave, Prometeu! (sim, porque voa alto).                                               

                  

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O funeral Viking



“Por que nós fazemos com as criaturas de Deus o que os nazistas fazem conosco?” Shosha, personagem de Isaac Singer, num romance homônimo, faz essa pergunta a Arele, que é o próprio Singer, meses antes da invasão de Hitler — que seu nome seja apagado da história — à Polônia. Casados, os dois sondavam a infância num passeio. Lembraram-se, para vergonha de Arele, que ele era o campeão de massacre de moscas. “Mas por que Deus criou as moscas, se elas picam?”. “Shosha, não sei, isso não tem resposta!”.
Ao terminar de ler o trecho, fui invadido por uma visão. Eu, pobre e cético mortal, já havia exterminado uma série de seres ‘criados por Deus’, ou pela natureza, o que dá no mesmo, segundo Spinoza, e de forma tão cruel e fria como os nazistas no Holocausto.
Enquanto olhava atônito o vazio à minha volta, meu cão se aproximou. Gosto de ler deitado num tapete esticado no quintal, com os pés no sol e corpo na sombra. E era justamente no corpo do meu pobre cão que ocorrera a minha última ação de extermínio. Minha alma pesou, um chumbo que foi até os pés. Eram as vozes gravitacionais do inferno me chamando pra baixo.
Aprendi, nos episódios do Dr. House, que as pulgas mordem os ratos e depois passam pros cães e, dessa forma, a peste bubônica pode se transmitir livremente; não é e nem nunca foi um privilégio medieval, a peste negra. — No Absolutismo francês dos ‘luíses’, a nobreza do cão era medida pela quantidade de pulgas que ostentavam em seu pêlo. Chique!
Claro, entre os reis absolutistas e os diagnósticos do Dr. House, melhor o segundo. E foi com base nisso que espalhei Frontline no pêlo lanoso de meu brother Kapang (foi ele quem escolheu o nome, e outro dia eu conto).  Dada então a revelação de Singer, fui olhar entre os pelos de Kapang e lá estavam dezenas de cadáveres de pulgas, todas exterminadas pelo mesmo princípio do gás nazista. Help! I was a monster!  
Minha reação foi imediata. Peguei uma caixa de fósforos vazia e recolhi seus corpos e preparei um funeral Viking. Um amontoado de pedras, a caixa de fósforos como esquife, o pôr de sol como cenário, a trilha sonora do Led Zeppelin, Imigrant Song, e o fogo ardendo em pureza; enquanto isso os espíritos das pulgas subiam em direção à luz do Valhalla, o paraíso dos Vikings, onde Odin, junto aos seus guerreiros, numa mesa cheia de carne assada e cerveja, assediados pelas Valquírias, celebram a eternidade, que na mitologia nórdica, ao contrário das outras, tem um fim. O chamado crepúsculo dos deuses.
‘Em suma’, acho que ouvi um trovão vindo do céu, um esporro. Era Odin que gritava, “QUEM FOI O FILHO DA P... QUE MANDOU ESTAS PULGAS PRA CÁ?!
Um amigo me disse que as pulgas não têm espírito. Retruquei dizendo que São Francisco amava a todos os animais e não dedicaria sua vida e seu amor a seres desprovidos de alma. “Pulgas não são animais, mas sim insetos da ordem dos sifonápteros, parasitas que vivem do sangue dos mamíferos; estes sim, animais”.
Retruquei dizendo que a única coisa que consolava minha consciência, sobre o extermínio causado por mim, era a possibilidade das pulgas estarem num lugar melhor. Sei que era um sofisma glamoroso, pois a simples idéia da existência da alma justificaria a morte de todo e qulauqer ser. Pensei em silêncio em quantas vacas eu já não havia ingerido. Deuses hindus descendo pela minha garganta, temperados com sal grosso, acompanhadas pela cerveja gelada. 
Diferente do nosso tim-tim e do tradicional saúde, quando batemos nossos copos, brindarei agora como os dinamarqueses, com sua palavra sagrada: SKOL. E que as pulgas me perdoem, pois brindarei a vida de cada uma delas.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O quadro da mulher nua





o corpo impressionista se dissolve na luz aberta do espaço. 
Sem burocracia ou moral,
o corpo, essa desejada obra de arte,
se dissolve no soneto, no vinho, 
sugamo-lhes a alma, como os olhos de 
Renoir.

Sim é fato, os dybbuks escrevem, desenham, fazem serenatas.
Têm medo, muito medo,
que toda sociedade lhe aponte o dedo:
"lá vai o cultuador de corpos, o devorador de almas, o semeador de sonhos."

Oh! cárcere maldito que nos prende sem grade alguma.
Hamlet, esse dybbuk inveterado, sabia o quanto
é torturoso não viver, não ser..

Me tornei um cordeiro, um fiel, 
uma triste ilusão desejosa de dissolver-se na luz, 
e encontrar o amor eterno, 
expressado assim, simples e ardentemente, 
pela retina angélica e 'augusta' de Renoir... 

August Renoir, mais um pisciano que desejava a luz...