O Eu aspira comunicar-se com outro Eu, com alguém igualmente livre, com uma consciência similar à sua. Só dessa forma pode escapar da solidão e da loucura. (Ernesto Sábato)
Luz,
eu posso ver a luz. A tarde é território luminoso. Minha casa tem paredes brancas.
Eu penso que estou num lugar qualquer do mediterrâneo. O verão, ao contrário,
me sugere que eu beba o vinho fresco, tinto, seco, no desenrolar das horas, no
ciclo do sol sobre nossas cabeças. Olhar a árvore e sua sombra. Tem até um
pássaro que chamo de Nick Drake, ela canta no mesmo tom de uma de suas canções.
De repente eu voltei pra casa. Estava imerso numa nuvem de sonhos, de uma metafísica
do absurdo, não menos bela, mas improdutiva.
Claro,
os dias úteis, eles se foram. Livre, agora, pelo menos por um tempo. Livre, e quero
dizer com isso que posso ficar comigo mesmo, pensar sem entraves, sem
limitações, saborear a ironia, o deboche, beber da própria imbecilidade, das estultices,
como nas cenas de uma peça escrita pelos irmãos Marx.
A solidão,
a morte, a tristeza precisam descansar, não podem trabalhar o tempo todo. ‘Nada
vai mudar meu mundo’. Infelizes aqueles que não ejaculam, não gozam junto a
outra pessoa o sabor da vida. Mas nunca é tarde, ainda podemos fazer um piquenique,
uma cesta de pão, queijo, vinho, e o azul claro do verão, como se fosse a
Califórnia e seus vinhedos.
Imagino
cenas cinematográficas em que posso um dia estar, e representar um papel que sou eu mesmo. Esse
livre idealismo de si mesmo é como a história de uma nuvem no céu, sim tudo
isso é o que a música e o vinho podem causar em mim, na medula. Um profundo
sentimento de estar leve, mesmo que o corpo esteja envelhecendo e o sangue
circule sob tutela da bioquímica e a musculatura enrijeça cada vez menos para benefício do outro ser que te deseja, mas é assim
a decadência, bela e refinada, democrática e companheira.
Segue
assim o cortejo de nossas aspirações, elas são tolas, como os pardais que desejam
o papel dos rouxinóis nos contos de fadas, e assim seguimos nossa rota, ciganos
sedentários de pensamentos livres em voos à base de especulação sobre o que não entendemos. Nada é novo sob os céus. Os
poemas, as canções, tem sempre alguém que os acolhe, junto aos desenhos, frases,
beijos, jeito do corpo, cristalino olhar que me alcança numa tarde qualquer. Presentes
rejeitados por alguns se tornam pérolas nas mãos de outras pessoas sonhadoras.
O que
mais quero da vida é esquecer os manuais que a história nos legou. Quero desaprender
os mortos, os xamãs, os feiticeiros, os videntes e os filósofos. Também me afasto dos vivos comuns que acham que sou algo que não é
meramente humano. Sou um menino no parque que deseja dividir o chiclete, e que é
atraído como uma mariposa à luz artificial quando ouve a própria guitarra. Meu cão
dança comigo enquanto o Led Zeppelin estoura nas caixas de som. São duas patas
traseiras mantendo um corpo lupino que pensa ter duas mãos primatas que desejam me abraçar.
“Somos
descendentes dos primatas, logo não nos cabe alternativa senão a de nos amarmos”, e sob
o sol, na chuva, na noite escura, à margem do riacho, no bosque imaginário. E data vênia, dance
comigo quando eu estiver morto, o sol se foi pra sempre e baby, você pode me
fazer me sentir bem, então dance, dance, dance, porque a noite veio e caiu
sobre nós. Estamos felizes, é por isso que podemos dançar ao redor do fogo.
Vou
fechar os olhos, não vou deixar o natal e o réveillon sugarem minha alma, são dias
comuns, tais quais aqueles em que se abandona o casamento, ou em que se diz ao filho, "...não importa o DNA, você é um ser do mundo, siga em frente e deixe seus irmãos às
moscas!. Abandone a Deus, também ao pai, a mãe e se agarre firme na cintura de sua
namorada, e não se esqueça de sua guitarra". Ah! O abandono, o nada por fazer, a
obra de arte, a loucura, a chapação. Eu sei, às vezes nos cercamos de idiotas, no fundo
são nossas escolhas, como fazemos com CDs e livros. São eles que nos tornam o que somos,
por isso tome cuidado, só escolha aquilo possa ser entendido diante da santa
chama da loucura, da liberdade de embriaguez e da nudez mais despudorada que se tenha notícia.
Ps: se não foi possível entender a crônica acima, sorry. Escute então esta música, Picnic, parte da trilha do filme, Sideways, entre uma e outras e talvez você possa entender. Aliás, quero agradecer a companhia dos leitores, poucos, mais verdadeiros. É que estamos entrando em recesso, agora só em janeiro de 2015. kiss in everybody.
Quando alguém passa a ter consciência sobre si mesmo se torna um campo autônomo e desejante que emerge, sem pudor, do processo histórico e prioriza o sentido de uma vida própria. A bem do raciocínio, deve-se entender que a história é uma sucessão de
fatos baseados na construção do mundo material, o espaço geográfico, e tal
construção se dá em função da relação entre a consciência do ‘senhor’ com a dos 'escravos'. − Ou, em outros termos, entre as mentes investidoras com as ‘mentes’ executantes,
funcionais, que subjacentes, movimentam o sistema ao obedecer a uma hierarquia
de valores e a um conjunto de regras econômicas.
Esse ‘senhor’, que é sempre histórico e hoje é pós-moderno, como tem consciência própria inalienável, se torna livre e proprietário legal, virtual e cultural da liberdade. O sintoma da liberdade é a capacidade de agir e desencadear reações em função daquilo que pensou e/ou
desejou sobre o mundo. Já o ‘escravo’, também histórico e pós-moderno, por sua vez, tem de abrir mão de sua
própria consciência e torná-la autômata, eficiente, pronta para reagir ‘positivamente’
aos estímulos dos ‘senhores’, enquanto mantém seus sonhos e desejos nos limites da tutela
da lei.
Mas entre essa massa de ‘escravos’ pós-moderna há os despertos semi-resignados que não aceitam o sistema, mas
que também não o combatem com a força devida de suas potências intelectuais. Sua
subversão se limita a pequenas infrações e/ou displicência recheada de atos
relapsos, que lhes constituem um pequeno alívio ao pouco que ainda existe de
consciência livre em suas entranhas. Há espaços na sociedade que são mais tolerantes a essas pequenas
‘licenças poéticas’ dos pseudos-subversivos versão light, e outros intolerantes ao extremo, criando uma apoteose dos
conceitos ortodoxos para permear a relação entre ‘senhores’ e ‘escravos’.
Em tempos
de escravidão, no Brasil, havia uma figura emblemática, o Capitão do Mato. Era
um negro que caçava outros 'escravos' que fugiam em busca da liberdade e, por consequência, desejosos de ter a própria consciência. O Capitão do Mato era a personificação
do 'senhor', portanto desprovido de uma existência em si mesma. Era uma (in) consciência
que recebia proventos em função da capacidade e da 'qualidade' de extirpar os desejos de liberdade dos seus semelhantes.
Ainda
se pode, em pleno século XXI, nas fábricas, escolas, repartições públicas,
exércitos, igrejas e empresas em geral detectar a figura do Capitão do Mato. São
os gerentes, os encarregados, os coordenadores, os diretores, os supervisores,
os mestres, os doutores que se especializam em reproduzir o discurso do ‘senhor’
que corresponde, em suma, à concretização dos desejos dele.
Há toda
uma estética nessa subserviência: o cabelo devidamente asseado, o terno e a gravata,
o falso discurso progressista, a suposta posse de pensamentos objetivos e
subjetivos, os conceitos embasados na certeza do saber de como as coisas devem ser
feitas. São artefatos de uma metafísica: o ‘senhor’ do empreendimento está em todos
os lugares, ao mesmo tempo em que não está. Sua onisciência é baseada no ‘comportamento
drone’ dos capitães do mato, que como diria Foucault, somos nós todos, em tempos
de apoteose do capitalismo financeiro.
Essa
consciência servil se regozija quanto mais é capaz de dizer ‘não’ à massa
subalterna, pois sente que tem posse sobre parte do discurso do ‘senhor’. Os capitães do mato acreditam que o sucesso e
a eficiência estão intrinsecamente ligados à capacidade de fazer as pessoas obedecerem
às regras impostas. Por que se acredita que quanto mais as regras forem obedecidas,
mais humanizados seremos nós? Em termos
práticos: certa vez vi uma diretora de uma escola pública proibir o professor
de usar o ‘data show’, só porque o mesmo
não estava agendado previamente, apesar de estar consciente de que ninguém iria
usá-lo. Mais importante do que o desenvolvimento pedagógico dos alunos, é a
regra do agendamento do ‘data show’. Que
Deus abençoe a mediocridade.
O
capitalismo leva ao consumismo. O consumismo ao individualismo. O
individualismo à solidão e ela, por vez, ao desespero. Os desesperados procuram
as religiões. Patético, não fosse trágico. Suportar o mundo não é uma tarefa
fácil. E nada mais humano do que pedir às forças que estão além de nós uma ajuda,
uma mãozinha pra se mudar o destino quando nos vemos em maus lençóis. Agora o
que isso tem a ver com a prática de uma postura ortodoxa, com o comportamento
fundamentalista, seja de cristãos, islâmicos e/ou derivados?
Por
que se acredita que somente os fanáticos podem desencadear no Ser supremo a
possibilidade da misericórdia, ou de uma benção? Quem escreveu essa bobagem?
Pior, quem acredita nessa bobagem? Quer dizer que Deus, dessa forma, sempre irá
reagir se eu me comportar com um completo ignorante no tocante à ciência, à
política e à arte, porém suficientemente ‘abestado’ para absorver todos os
discursos de pastores e padres carismáticos, e praticá-los na íntegra, e assim apto
a me transformar num futuro morador de uma terra prometida (?). Eis a essência
do caô! Chuta que é macumba!
O
mesmo ocorre na política, onde fica claro que o fanatismo é a terra dos
quadrúpedes. Após as eleições pudemos perceber vários deles expostos na mídia,
pedindo por uma intervenção militar no Estado brasileiro. − Alguns acreditam
que se um grupo de milicos tomar o poder cessar-se-á a corrupção como num passe
de mágica. De onde vem a crença em tal absurdo? Primeiro: os militares
brasileiros, antropologicamente falando, são tão pilantras, honestos e
indiferentes quanto a sociedade civil o é. Segundo: por que a ideia de um único
grupo governando, de forma ditatorial, silenciando as críticas e
questionamentos de opositores, poderia seria melhor do que nossa constante e
complexa rede de discursos abastecida pelo dissenso? Terceiro: por que seria
melhor só um grupo no poder que pudesse roubar, matar, reescrever a
constituição a bel prazer e sucatear a história de um país? Freud explica: isso
é masoquismo!
O
conceito de masoquismo vem da obra do austríaco, Leopold Von Sacher-Masoch, do
livro, A Vênus de Peles, onde um dos
personagens atinge o orgasmo após
ser surrado pelo amante da sua esposa. Freud dizia que o
masoquista deseja ser colocado na posição de objeto de alguém que seja ativo o
suficiente para desgastá-lo até sua morte. Isso seria fruto de alguma culpa
inconsciente que o atormente constantemente, assim sente prazer com a ideia de
que será destruído e a face da Terra será poupada de sua nefasta presença.
No
campo da sexualidade, acho que estamos numa sociedade suficientemente livre
para aceitar que a felicidade do masoquista, quando este passa pelas mãos do
sádico e sinta prazer nisso de forma particular, ocorra sem que nenhum crime
seja cometido e seja algo baseado no livre arbítrio da liberdade
constitucional. Aí tudo bem, sussa! Ou seja, o republicanismo aceita que os
indivíduos sintam prazer em sentir dor, ou que aceitem que seus cônjuges
tenham relações extraconjugais e isto até seja filmado e propagado. É uma
escolha.
Agora,
querer impor isso na política é sacanagem. Sentir prazer em ser chicoteado por
uma Ditadura não é algo que deva ser universalizado como modelo de Estado. Quê
isso minha gente? Por isso acredito que todo fanático, seja religioso, político
ou esportivo, caminha de braços dados com o masoquismo, que é também uma
maneira de exterminar a própria personalidade, que de tão insuportável a si
mesma imagina que os outros também o são e logo não vê problemas em tomar na
‘cabeça’. Vá de retro, Satanás!
Em suma, como diriam os patéticos professores de
redação dos cursinhos, para o fanático religioso, Deus é um vingador que sente
prazer em exterminar. Logo um sádico. Eu já disse que concepções teológicas
baixas, com baixos teores racionais e medíocres, transformam Deus num anão e/ou
num ser patético. Assim os fanáticos neopentecostais, carismáticos e derivados
são uma mescla de sadomasoquismo.PQP!
Vamos evoluir minha gente, vamos evoluir! Deus, se existe, é um ser livre.