Somos aquilo que vem do mundo, uma invasão pelos sentidos. A arte de regurgitar é nossa nau menos falaciosa.
O corpo é a única coisa que temos de concreto. O resto é burocracia.
O Eu aspira comunicar-se com outro Eu, com alguém igualmente livre, com uma consciência similar à sua. Só dessa forma pode escapar da solidão e da loucura. (Ernesto Sábato)
O homem-carro
Na minha cidade havia uma figura folclórica que se chamava Cavuco. Ele acreditava ser um carro e saía pela rua acelerando e passando marcha. Ia em meio aos automóveis, respeitando tráfego. Dizem alguns que até respeitava o sinal. Outros, mais maldosos, diziam que ele pregava adesivo nas costas, que era o seu vidro traseiro.
Uma vez atropelou uma velha que tentava atravessar a rua e foi parar na calçada, onde os carros não devem trafegar. Deitado no chão, com o barulho do motor na boca, ouvia os xingamentos da velha. Uma pequena multidão se formou em torno do acidente e ele dizia que, só sairia dali puxado por um guincho, pois era um carro moderno e estava no seguro.
Com o tempo ele sumiu, nunca mais o vi. Acho que saiu de linha, não suportou a modernidade. Pois afinal nunca se viu tantos automóveis no Brasil. Estão para todo lado. Um proliferação de carros 1000, que dizem, custa pouco.
Milhões de brasileiros indo para o trabalho, dentro de “seu” carro. O chamado transporte individual; ainda por cima com celulares cheios de recursos que, às vezes, até funcionam como telefones. Eis a modernidade do Brasil: Celular e carro 1000. Quem precisa de educação, saúde e segurança? Carros e telefones bastam!!. Céus, é o caos. — Felini, italiano, diretor de cinema já falecido, conhecido por sua paixão pelo bizarro, iria adorar a cena: milhares de automóveis com motoristas e seus celulares aos ouvidos, em auto-estradas sem placas, como no rodoanel de São Paulo, gastando mais tempo e energia do que produzindo.
Mas voltando ao Cavuco, talvez ele tenha desaparecido por não suportar a idéia de ser um orelhão ambulante. Carro, tudo bem!! Mas orelhão, não! Esse negócio de sair por aí com celular na cintura, ele não podia aceitar. Acho que tinha medo de ser privatizado e acabar sendo usado nas propagandas estúpidas da televisão.
Não sei que futuro nos espera. Tudo privatizado, tudo cientificamente produzido para dar defeito e se manter em consumo. Há quem ache tudo maravilhoso.
Em termos de esporte ele iria pirar: como explicar que Massa, de dentro de uma Ferrari, resolve, ‘de livre e espontânea vontade’ tirar o pé do acelerador e deixar seu rival passar. Carros de corrida programados para deixar o outro passar. É o fim da civilização ocidental.
Sei que posso soar meio que antiquado em minha crônica, com esse determinismo: Cavuco, se ainda estivesse vivo, não gostaria de nada, absolutamente nada do que a modernidade oferece. Acho que de uma coisa ele se orgulharia: os carros híbridos. Sonho maior de ser movido a álcool e também a gasolina. Quiça uma adaptação para o gás. E assim o motor se transforma numa espécie de santíssima trindade: álcool, gasolina e gás.
Até consigo vislumbrar: ele, Cavuco, numa crise de sustentabilidade:
— Melhor o gás da batata doce do que o gás natural.
Hoje ele anda pelas ruas da memória de alguns de nossos munícipes. Continua livre, acelerando, sem o menor pudor em relação aos boxes e aos radares.
Em Cruzeiro falta muita coisa, mas sinto falta de um museu que proteja nossa memória, — e pode parecer contraditório — , mas a memória anônima, daqueles que para muitos, são ‘ninguéns’; vivem gloriosamente nas histórias contadas nos bares, nos jogos de truco, às portas das missas, nos encontros de amigos e etc. Anônimos como nós dois: eu aqui escrever e você por aí, a ler, anonimamente. Mas cheios de histórias pra contar: lágrimas, risos, espantos e lorotas.
Acho que fui um dos primeiros Ets a visitar Varginha; sul das Minas Gerais. A família da minha mãe é daquela região, do tempo em que no Brasil ainda existiam os trens. Eu só ouvi falar de viagens nos trens, cheias de poesias e coisas engraçadas. Não, eu não viajei de trem para Varginha. Ia no carro de meu pai, longas três horas em estradas sinuosas; fora as serras.
Mas lá tudo parecia brilhar. Começava pelo fato de Varginha parecer bem mais limpa do que Cruzeiro, minha cidade; apesar de Cruzeiro ter uma natureza muito mais bonita. Talvez a feiúra estivesse na política da região, não sei! Quem explica?
Meu tio-avô nos recebia de forma especial. Ele se parecia, fisicamente, com ... — antes deixa eu dar três batidinhas na madeira para não trazer o passado de volta. Lá vai: com o Geisel. Era a cara dele. E era justamente o tempo em que eu freqüentava a casa dele, sempre em janeiro, para passar as férias, que o General Geisel governava o Brasil. Quando olhava na TV o Geisel falando alguma besteira, podia acreditar cegamente que era meu tio, se ele não estivesse ao meu lado, no sofá, assistindo ao mesmo tele-jornal. Minha mãe dava asas à imaginação e dizia que ele gravava a entrevista e voltava para Varginha, para que ninguém o incomodasse. E eu estava ali, ao lado do ‘presidente ditador’ do Brasil.
O que mais eu gostava no governo dele, era o fato de trazer todos os dias, logo pela manhã, um queijo mineiro, o mais gostoso de toda minha vida. A toalha xadrez, com bules de louça, com manteigueiras de vidro, xícaras com asas extremamente curvadas, era a mais linda cena comestível que se poderia ter. Nenhum café, da manhã ou da tarde, era melhor que os de Varginha. Sobre tudo os da casa do tio Jaime. Outros tios e tias, que também moravam na cidade e eram alvos de visitas por parte de minha mãe e eu, também eram fortes concorrentes ao título internacional de melhor café de todos os tempos. Varginha era o lugar para ser feliz. Era um universo mágico.
Existe por lá um gosto por se contar histórias, talvez o único lugar do mundo onde um doce rima com machado de cortar lenha. Tudo se encaixa. São coisas que ganham vida e percorrem o mundo gerando uma atmosfera própria. Eu ouvi, certa vez, meu esse meu tio contando uma história que o fazia rir com os olhos fechados, com a mão meio que sobre o estômago, como quem segurava uma contorção, uma cãibra, de tanto querer rir e não poder segurar. Era o tal caso do machado e do doce.
Foi uma mulher que eu nunca vi, mas que conhecia por nome e acho se chamava Amália, havia feito um doce especial, do tipo que tem a tendência de parar o transito de tão gostoso que era. E dizem que era mesmo. Mas daquela vez algo saiu errado, não com o sabor, mas com a liga do doce, que ao que parece, foi além da conta. O sabor estava celestial, uma sinfonia de Vila Lobos, mas tinha que ser cortado com um machado. Levado à boca, jamais seria desmanchado. Uma espécie de bala eterna, talvez uma receita para quem tivesse a eternidade para chupar o mesmo tablete de doce.
Hoje tenho a clara convicção que tal receita foi coisa de anjo, habitante de cozinhas movidas a fogão a lenha, coisa de avó, e ninguém quer ficar longe de tal amor. É isso, descobri!! Varginha era minha avó, era a cidade que me acolhia como uma avó. A benção, Varginha.
Ainda não descobri o motivo de se contar histórias de terror para crianças. É evidente que a gente fica com medo durante a noite. Eu era um desses medrosos da noite. Deus, era uma tortura quando meu pai apagava a luz. O medo começava instantaneamente. Imaginava antes da criação, uma profunda escuridão. Até Deus acendeu a luz para começar a história do universo e meu pai apagava para começar a noite de sono. Às vezes torcia para o interruptor quebrar para a luz não desligar nunca mais. Até fiz promessa para que isso ocorresse. Mas o escuro é poderoso e inofensivo. Mas isso a gente só descobre depois de ler “O Saci”, de Monteiro Lobato. Antes disso você é prisioneiro do medo do escuro da noite.
Minha situação piorou quando a televisão — sempre a maldita televisão — anunciou que iria passar um filme de terror sobre uma Múmia que um arqueólogo encontrava no Egito. Filme em preto e branco.
Pronto, a pouca coragem que eu tinha foi-se. Só a propaganda já me matava. E não adiantava meu pai dizer que era só brincadeira. Quando passasse o filme estaria acontecendo ao vivo, era assim e pronto; nada me convencia do contrário. Na noite que passou o filme dormi com minha mãe, desalojando meu pai que não gostou nada do troço.
Com o passar dos dias, ahhh, piorou o medo. Eu via nitidamente o fim do filme, depois a múmia olhando o horizonte lá no antigo Egito e, em seguida, começava caminhar. Eu tinha uma noção de geografia e sabia que a múmia, para chegar ao Brasil, tinha que atravessar o Atlântico. Ninguém iria vender um bilhete num navio para um monstro. Isso me acalmava. Mas depois não deu, veio o clarão.
— ...ela já está morta, pode andar por debaixo d´água!! Ahhhhh!! Socorro!! — disse para mim mesmo, sob as cobertas.
Comecei assim a segunda parte da tortura da imaginação. Ela começava a andar em direção ao oeste, cruzava a Argélia, chegava na praia, entrava na água e vinha caminhando pelo fundo do oceano. Tubarões não me salvariam, não comeriam um cadáver de pano. Em poucos dias chegaria ao litoral brasileiro. De Ubatuba a Cruzeiro seria um pulo. Chegava ao limite quando a imaginava caminhando pela rua de minha casa, subindo a escada e a sentia na janela, no lado de fora, começando a forçar para entrar e me matar. Nessa hora o sangue gelava, um nó subia a garganta e não tinha alternativa.
— Pai! Não consigo dormir.
Ele sentava na cama e ficava vigiando meu sono. Foi duro esquecer a múmia, foram vários dias de viagens sob o mar que nos separava da África.
Agora já sou adulto e quase não tenho medo de dormir sozinho. Alguns dias atrás, meu filho disse-me coisa parecida. Imaginava o monstro do filme que assistira chegando à porta de seu quarto. Perguntou-me o que deveria fazer, estava com medo. Cocei a cabeça, olhei para ele, lembrei-me de minha múmia e disse;
— Pega o ‘saco de dormir’ e põe perto da minha cama e dorme.
— Ufa, pai, que legal!!
Dormiu como um anjo.
Que o corpo não carregue mais a história.
Que os símbolos se percam no esgoto.
Que a noite absorva a humanidade em rasgos de cometas.
E apenas perecíveis, efêmeros,
dancemo-nos às custas de um violão velho,
num mar de absinto,
à meia luz orgânica.
Eis um corpo sem custódia.
Só a silhueta de um beijo ante a um cenário de estrelas.
Geograficamente fálicos e satíricos,
na filosofia nua dos corpos,
lancemo-nos fora do tempo da imbecilidade moderna.
E mãos dadas com a tarde que cai,
silenciosos em flertes lunares,
sejamos parte do grunhido universal da flor que aflora à pele.
Não sei se é possível quantificar dívidas de conhecimento; não, eu não quero transformar o conhecimento em moeda é só uma figura de linguagem, mas imagino como poderei, um dia, agradecer a Darwin ao que ele fez pela humanidade.
Eu nunca li o livro, A Origem das Espécies, mas ele é parte integrante do que eu sou hoje. Um livro que se transformou em milhões de livros didáticos de biologia e que ajudaram na formação do entendimento que se tem do mundo. Sempre que abria o meu livro, no antigo ginásio ou no antigo colegial, sempre aparecia o seu rosto num verbete, aquela barba gigantesca, aquele olhar triste, querendo dizer, " ...vocês ainda vivem a fantasia criacionista?", e o dizia sem ser panfletário, de maneira serena, bem diferente dos filósofos, donos das verdades. Darwin, um tanto cabisbaixo, queria deixar claro que dizia respeito a ele também. Suas descobertas o incomodavam, e muito; parecia dizer: "...isso é difícil pra mim, tanto quanto o é para você; sou um habitante do século XIX, que descobriu 'o mundo' apenas com a observação, com a especulação e alguns poucos fosséis, coisas que já estavam nos olhos de todos, há milhões de anos, mas eu enxerguei, então sofri por ter o dom de ver em meio aos aprisionados da Caverna".
Assisti no fim de semana ao filme, "Criação" e fiquei, de certa forma, emotivo, como há muito não ficava diante de um filme novo. A história se baseia muito mais nos dilemas pessoais de Darwin, do que na revelação da teoria da seleção das espécies e seu impacto no mundo. Em suma, o espectador já deve saber de antemão que nós viemos dos primatas, e não de Adão e Eva. (é o mínimo que se pede).
Seus dilemas: - a morte precoce da filha mais velha; - o abalo de sua fé cristã; - a tristeza de ver sua mulher sofrer, porque tais idéias o levariam ao inferno, impedindo assim que os dois continuassem a história de amor que esperavam alcançar na eternidade, (em minha opinião, a parte mais poética do filme);
Um filme, por mais biográfico que possa ser, não pode ser entendido literalmente, mas o significado é real. por duas vezes um frio cortou minha espinha:
1- Darwin pede para a esposa ler o livro já acabado, ela, e mais ninguém, deveria decidir por sua publicação ou não; e por amor, não pela ciência, ela decide pela publicação; assim, após sua morte, iria para o mesmo lugar que o marido fosse envidado. (na boa, sou chorão, mas nessa hora o amor de uma mulher foi maior que o conceito de Deus enraizado em seu modo de viver, e do que a ciência que nascia. Ela deixou claro que estaria com ele para o quê desse e viesse).
2- Darwin coloca a Origem das Espécies, escrito à mão, na traseira de uma carroça, o correio da época. O livro vai embrulhado e amarrado com barbante, com uma carta anexada, rumo a editora.
ou seja, por dois momentos o livro, que acho ser um dos mais importantes da história da humanidade, expõe-se de maneira tão frágil, que me pergunto, como foi que não se tornou presa em meio a tantos 'cassadores&caçadores' da selva social?
num paradoxo, parece coisa do destino...coincidências favoráveis, que Einstein diria que: 'são jogos de dados que não enxergamos'...ou, que o mundo é movido por misteriosos motivos, as linhas tortas.
O espantoso é que a publicação do livro, A origem das Espécies, beirou o milagre. Paradoxo!
Ontem à Tarde from Cinema de Rua on Vimeo.
A mente humana é uma profusão de neurônios em tempestades elétricas que resultam em movimentos corporais involuntários e voluntários. E também é normal a criação fantasiosa de uma ‘realidade’, maravilhosamente desconexa do concreto, oposta ao que realmente sentimos sob as solas dos sapatos, quando caminhamos por nossas ruas e nos relacionamos com nossa cultura.
Na linguagem popular, as terras do Vale do Paraíba nos arredores de São José do Barreiro e derivados eram conhecidas como O Fundo do Vale; cresci ouvindo isso. Um dia, que não me lembro qual, nos proibiram de usar tal nomenclatura. O ‘Fundo do Vale’ passou a ser o Vale Histórico. A primeira coisa que perguntei, e não obtive resposta, foi: “qual lugar do Vale do Paraíba não era Histórico?”
Da mesma maneira que há o fundo do coração, o fundo da alma, a mente profunda, havia para mim, desde o começo dos tempos, o Fundo do Vale, que nunca achei pejorativo. Pelo contrário, ele sempre me revelou a imagem de uma borda de um mundo parecido com a Terra Média, de Tolkien: um lugar aberto em si mesmo, com sua dinâmica urbana nas partes próximas do rio Paraíba; suas cidades de arquitetura Colonial sobrevivente; a beleza da ‘cordilheira’ da Mantiqueira no horizonte, as chamadas terras altas e as cidades tecnológicas. — Detalhe: a ‘cordilheira’ da Mantiqueira pode ser vista onde não está. Eu a vejo brilhante e azul no final das ruas de minha cidade, como se fosse logo ali, depois de virar a esquina. Na via Dutra, às vezes, está a poucos metros do pára-brisa, basta esticar a mão pra fora da janela do automóvel, quando a polícia não está às vistas, e tocá-la. Mágica da montanha. Assim, cada prédio que sobe no horizonte de minha cidade, é um pedaço a mais da Montanha que desaparece. Se eu não puder continuar a vê-la, ela desaparecerá de minha cultura(?).
As cidades do Vale Histórico, — já que é pra fragmentar, melhor seria Vale Colonial — estão tão próximas culturalmente de qualquer outra cidade do próprio Vale do Paraíba, que, ao contrário da insinuação separatista possessiva e adjetiva que a invenção do “Vale Histórico” quer propagar, elas são, na realidade, o mesmo saco “afarinhado” com as mesmas violas e valores valeparaibanos, que são os mesmos do sudeste do Brasil. Objetos de diferenciação cultural, tal como ocorre com Ouro Preto e NY, só na fantasia de historiadores. Onde, no Vale, não há formação tropeira, bandeirante e engenharia inglesa? Vide os trens, que ocorreram nesse mesmo sudeste do Brasil e na América Latina. Nossa! Na minha cidade há descendentes de italianos, vou criar o Vale Italiano.
Porém, graças a apropriação indevida de um adjetivo universal, o ‘Histórico’, tenho que ocupar minha memória e linguagem para identificação de um Vale Não-Histórico, que no frigir dos ovos é o próprio Vale do Paraíba; mas quem sabe, com ausência total de memória, sem pessoas falando português, sem gente postando em blogs, sem ver TV (novela), sem beber cerveja, sem churrasco, fazendo festa junina, etc. Ahhh! tenha a santa paciência! Quê Vale Histórico, o quê!?
O samba do crioulo doido não dá tantas voltas. Um amigo, que por coincidência mora no Vale Histórico, diria que isso é ‘o peso do nada’. É só o mundo acadêmico a todo o vapor, edificando o nada com ares de expropriação de um resto, supostamente, não histórico. “Pô, aí já é filosofia”, diria ele.
Monteiro Lobato viveu em Areias e não gostou da vida ‘histórica’ de lá, e diga-se isso de passagem, na ‘macióta’. Quer comprovação? Então leia um dos livros dele, também dedicado à essa cidade: Cidades Mortas. Sua maior crítica, ao longo do livro, era pela falta de um universalismo, ao mesmo tempo em que criticava a proliferação de homens taperas, perdão, digo, históricos.
Usemos Lobato como exemplo: enquanto estava em Areias, Lobato viveu no Vale Histórico; quando voltou para Taubaté, passou a viver no Vale não-Histórico. É isso? A quem devo aplaudir por essa clareza de raciocínio?
É o tipo de conversa que me faz sentir como um habitante do estado do Texas, ou do Arizona, estados xenófobos dos EUA. Fragmentar o mundo para edificar uma cultura, que muitas vezes não existe, e que, só passa a ter identidade quando se separa dos corpos estranhos identificados pelo academicismo, como algo não inerente a ela mesmo, mas que no fundo é o próprio sangue, é um sinal claro de alergia. O vale Histórico é, em termos medicinais, o Vale Alérgico a si mesmo. Estamos diante de uma patologia, e das grossas.
Confesso minha pequenez acadêmica e minha insistência satírica, em algumas vezes, mas onde estará o Voltaire do Vale do Paraíba, para nossa salvação universal? E se outros Vales vierem a ser inventados? Virá o dia em que Campos do Jordão se denominará o Vale Sinfônico. Guará, Aparecida e Cachoeira Paulista denominar-se-ão o Vale Cristão. E assim emergirá uma sequência de fragmentações de base alérgicas. Deus!! E a Frei Galvão também clamo: onde estará o nosso Voltaire, para dizer-nos que tudo é Vale do Paraíba, São Paulo, Brasil, América do Sul e Latina? Tudo ao mesmo tempo agora!! Até os Titãs entenderam isso.
Não há culpa se as coisas são tristes.
Se o modo com se abre a porta,
se enche o copo d’água e se serve a mesa são tristes.
É porque tudo é dolorosamente feito da mesma forma,
nas engrenagens do dia-a-dia, nos dentes ácidos da monotonia,
na pasmaceira da vida morta.
Não há culpa nisso.
E se não se faz isso tudo, parece que não é vida.
É pouco o que se tem, o que se sobra.
Imersa na carne, no sangue,
os olhos da demência anunciam tristeza:
no som da campainha,
na voz ao fone,
no vidro que transpassa a luz,
no sol em pratos limpos,
na cor do carro ainda não pago.
Tristeza.
Agonia.
Violão desafinado ao melhor fluir da brisa.
Se eu fosse mais forte, como um caís,
cortaria os pulsos em cacos de lâmpadas,
em pontas de vasos,
em fragmentos de espelhos.
E deixaria a nau partir.
Viagem de alívio à imensidão do nada.