sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A estrela guia



E eis que o anjo pousou os pés no chão, na fronteira de três reinos abandonados. Encontrou três homens ensimesmados, cada um exercendo sua função mecanicamente. Um assentava tijolos, outro cortava madeira e o último pastoreava cabras.
Diante do anjo, os três receberam as ordens em silêncio. Tinham que atravessar o vale na direção à estrela no horizonte, que apareceu assim que o anjo levantou o dedo e indicou a direção. Lá nasceria uma criança que deveria ser presenteada.
Os homens se arrumaram, vestiram sua melhor roupa, prepararam os animais e abasteceram os alforjes de trigo, sal e roupas. Despediram-se dos familiares. Teriam que atravessar uma imensa cidade para chegar até o ponto indicado pela estrela. Um deserto às avessas, repleto de fariseus, ganância, vaidade e desperdícios.
O primeiro grupo de homens que encontraram, gritava ensandecido, com os braços erguidos, diziam que oravam em línguas e recolhiam dinheiro da platéia embasbacada que, por medo do inferno, doava de maneira compulsiva, sem o mínimo de reflexão. Os três viajantes, ali, não receberam atenção alguma.
Mais à frente, outro grupo de homens, em terno e gravata, gritava contra o Diabo e espancavam um homem no meio da rua. Usavam as Bíblias impressas como pedras. O corpo do homem, que fora acusado de se deitar com outro homem, sangrava e a alma era ferida pelo aço das palavras daquela gente que julgava sem a menor compaixão.
Também ali não foram ouvidos os três caminhantes, seguiram em frente e se deparam com dois grupos que habitavam a mesma praça. O primeiro se dizia possuidor da informação e sabia tudo sobre ela e ainda mais, que a liberdade do mundo dependia deles, proprietários da verdade; o segundo se auto-proclamava responsável pela produção do conhecimento e, com microscópios e tablets em mãos, propagavam que poderiam resolver tudo no mundo.
Porém, a maior provação dos viajantes foi diante dos homens que diziam poder administrar tudo aquilo. Tinham na mente as teorias corretas para sanar o caos da realidade, bastava pra isso que se votasse neles e em seus partidos. Eram profissionais que se reelegiam constantemente. Uma façanha sem precedentes o fato de serem sempre os mesmos, amigos e inimigos, a se revezarem no poder.
Melchior, Baltazhar e Gaspar fugiram o mais rápido que puderam da ação daqueles homens partidários, mas não dos males daquela cidade. Viram-se diante da última ‘instituição’ daquele lugar, o chamado templo da justiça. Mas em poucos minutos de observação, onde repórteres se aglomeravam à porta, sob a estátua da Justiça, e anunciavam que dali sairia o novo Messias, negro como ébano, a verdade por debaixo das aparências veio à tona: os juízes atravessam a rua e consultavam, primeiramente, os banqueiros e empresários antes de qualquer veredicto.
Finalmente, fora da cidade, os três puderam respirar aliviados. Olharam-se e parecia que haviam envelhecido anos e anos. Depararam-se com a estrela pairando sobre um estábulo. Aproximaram-se e viram duas mulheres cuidando de uma criança; logo entenderam que as duas o haviam encontrado sozinho, abandonado.
Sentiram no coração que era àquela criança que deveriam entregar os presentes. Assim que o fizeram, descobriram que as duas mulheres se amavam e de mãos dadas, acariciavam o bebê que sorria em pureza. Assustados com a idéia de duas mulheres tão lindas se amarem, em mantos vermelhos e azuis, duvidaram que as duas poderiam criar a criança com dignidade. Mas em seguida lembraram-se do trajeto que fizeram, das atrocidades que viram e da sujeira que amalgamava o tecido social e se envergonharam pelo preconceito. Ajoelharam-se e agradeceram o dom da vida. O anjo apareceu num clarão de luz e olhou para todos os leitores dessa crônica e disse:
— Infeliz daquele que troca o amor pela hipocrisia.                

domingo, 1 de dezembro de 2013

O cemitério dos livros não escritos

Nas galerias do Hotel de Sens, no centro de Paris, está localizado o cemitério dos livros não escritos. O acesso se faz através de uma escada subterrânea, que desemboca num pátio, com teto abobadado e com afrescos que sugerem a obra de Vitor Hugo, os Miseráveis. O pintor manteve-se no anonimato, mas é nítida a influência de Miguelangelo. Acredita-se ainda que foi uma sociedade secreta, ao longo dos séculos que escondeu tais livros. Em sua maioria, livros proibidos, que jamais viram a luz dos olhos de algum leitor.
Mas voltando à nossa tour, quando se está na sala abobadada, a porta para o corredor que leva até ao cemitério dos livros fica camuflada em meio aos afrescos. Ela fica embaixo da imensa mão de João Valjeam, personagem de Victor Hugo, numa cena que faz alusão à sua prisão por ter roubado pão para matar a fome dos filhos. A porta abre com dificuldade, seu ranger ressoa por toda a sala e parece o pigarrear de Odin, resmungando porque invadiram seu Valhalla, (pronuncia-se ‘varralha’), o paraíso dos guerreiros vikings.
Ao fim do corredor escuro, com um fiapo de água que escorre no meio do caminho, e da presença de uma corrente de ar gelada, se encontra um velho sentado à mesa do século X, ele pergunta o nome do viajante, — é bom saber francês, outros idiomas ele ignora —, anota num papel e entrega uma lamparina. Por incrível que possa parecer, não se paga nada para ir ao encontro de tais livros mortos.
São imensas prateleiras, livros proibidos, perdidos. Diz uma lenda que os diários de Lênin, Trotsk, Hitler e de Jesus se encontram perdidos nos quilômetros da biblioteca. Muitos dos evangelhos apócrifos foram encontrados ali. Se você tiver sorte e conseguir conversar com o velho que permite a entrada do viajante, se ele estiver de bom humor, ele poderá lhe dizer que o cemitério dos livros não escritos foi criado no período da primeira cruzada, no século XI, pelo Papa Urbano II; sua mesa do século X é a prova cabal desse fato.
Se o viajante tiver paciência e determinação encontrará uma escada que o levará a outro subsolo, bem abaixo dos livros. Imensas salas vazias, cheias de palavras escritas nas paredes. Alguns autores foram perseguidos e jurados de morte por Instituições e governos poderosos e ali ficaram refugiados e escreveram seus livros nas paredes para que a posteridade pudesse entender o quanto a ignorância é poderosa. Latim, sânscrito, inglês, gaulês. São inúmeros os idiomas.
Todo o cemitério é uma grande metáfora sobre o fato de algumas idéias e pensamentos humanos serem obrigados a permanecer na escuridão, no subsolo, fora da luz da visão crítica. Refugiados da luz, exilados do tempo, à margem da história, natimortos, considerados uma ameaça á humanidade. É bem verdade que a realidade que desejaram transformar já não existe mais. A ignorância que comanda a realidade contemporânea é digital e polifônica, isso é fato, mas ainda faz suas vítimas.
A única ameaça à humanidade, é a própria humanidade. Mas os donos do poder têm profunda aversão às idéias progressistas, seja em que época for. Não há pensamento sem linguagem, não há linguagem sem escrita. Não há crítica sem leitura. A melhor maneira de coibir e banir a escrita, mais a leitura, é através da ação de torná-las, por demais, banais, fragmentadas, aculturadas, pasteurizadas, velocíssimamente pronunciáveis, capaz de embasar o falar sem necessidade do pensar. Muito além da pós-barbárie, quando um garoto chama uma bela amiga de “...cara, se tá ligado?!”. 
     O bom e velho Nietzsche dizia que o pensar depende da língua que se fala. Então atinei no internetês e nos códigos lingüísticos das redes sociais, e o horizonte sumiu diante de meus olhos. Que filosofia o futuro produzirá, com uma língua fragmentável e dissolúvel em tempo integral? O futuro prescinde de filosofia e intoxica-se com a inexorável presença do celular. Cê tá ligado?!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A roupa

Eu assisti um filme, ‘Uma casa no fim do mundo’, e uma cena me chamou a atenção. A garota que vivia um triângulo amoroso, disse a um deles que ele se vestia mal, fora do tempo, era muito ‘retrô’. Que isso poderia atrair pessoas erradas; de repente ele estaria rodeado por elementos que não tinham nenhum tipo de afinidade com a personalidade dele, mas que por serem atraídos por suas roupas, dariam uma identidade equivocada a seu respeito e aos olhos de ‘todo o resto’. Tive uma revelação: “me mostra como te vestes que lhe direi quem irás atrair para junto de ti”. Talvez por isso nunca tenha vestido terno e gravata em minha vida. Imagine que tipo de pessoa eu não poderia atrair?! De Daniel Dantas a Joaquim Barbosa, e mais toda a escória conservadora da extrema direita desse país. Pior, se me vestisse como Hitler, uma horda de leitores da Veja iria passar a caminhar comigo, todos com os braços erguidos, tal como os Black Blocks, gritando palavras de ordem e defendendo um nacionalismo ‘anti-nacionalista’, que só a ‘desfilosofia’ de Olavo de Carvalho, Pondé e Magnoli pode explicar. Lembrei de Jesus, o bom e velho Cristo. Tá mais que na hora de fazer aquela barba, lavar aquela túnica e tocar um violão pra galera nos Luaus à beira mar. Chega de Cruz, dessa dor sem sentido, daquela expressão sofrida de quem está com a unha encravada e tropeça na calçada. Tenho certeza que o bom e velho Cristo, com um violão nas mãos, seria um Jack Johnson dos melhores; atrairia, por tabela, os órfãos de Bob Marley. Sim, paz, amor e perdão. Proposta essencial do cristianismo. Pense nisso antes de me condenar por ter imaginação. Mas preciso confessar uma coisa: depois desse estalo sobre a roupa e o que ela atrai, tive outra revelação; dessa vez dolorosa. Se começarmos a nos vestir como ETs, será que eles virão pra Terra? O que não falta nessa vida é maluco que ‘enxerga’ ET em superfície de bolo de aniversário de cinco anos e até encontra restos de UFOs em ferros velhos. Naves que caíram por aqui, enquanto se construíam as Pirâmides de Quéops e Miquerinos. — Há quem acredite que nos pilares da ponte Rio-Niterói se esconde um cemitério ET. ‘Em suma’, — como diriam os professores de redação de cursos especializados em tapear o ENEM —, eu viva em profundo Ledo e Ivo engano. Nunca dei às roupas os créditos que sempre lhes foram de direito no quesito: “...eis a essência do homem em sua aparência e vestimenta!”. “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí!”. Não, não é a camisa do Santa Cruz F.C., uma das camisas mais baianas do futebol brasileiro, e de todo o Pernambuco. Mas sim a letra de um clássico de nossa MPB, Camisa Listrada, de Assis Valente; a tal camisa listrada permitia que o personagem da canção fizesse várias coisas, entre elas: “...levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão, e sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão!”. ‘Camisa Listrada’ foi gravada por muita gente boa da MPB. Mas a glória foi com Carmem Miranda. Por sinal, Joaquim Barbosa, que gosta de aparecer mais do que porta-bandeira de Escola de Samba, e sem o mínimo pudor em usar a Constituição com se a mesma fosse papel higiênico, deveria se vestir de Carmem Miranda, — que ela nos perdoe —, e rebolar diante das câmeras da Globo, pousar nas páginas da Folha de SP, na Veja e num pôster da playboy. E depois dizer, finalmente, com todo falso moralismo e hipocrisia inerente aos homens de toga da suprema corte, que é candidato à presidência do Brasil e pelo ‘nacional-socialismo’.Mas e se ele se vestir igual aos caras da Kul Klux Klan? Bom, sabe mesmo o que eu penso? Esses caras da Direita são uns babacas. Vou é escutar Pink Floyd que eu ganho mais!

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

‘A regra é clara’: a realidade vem da ficção




“A realidade é aquilo que ser forma às margens da ficção”. Aprendi isso com Alberto Manguel. Talvez o homem que mais ame livros nessa vida. Vive das palestras que faz mundo afora. E todas elas sobre a escrita e as histórias que as rodeiam. Escreveu vários livros, mas um deles me dá uma inveja boa. Queria poder fazer o mesmo. “Os Livros e os Dias”, um diário de leituras sobre os livros que o ajudaram na formação humanista, revisitados por um olhar maduro. Do Deserto dos Tártaros, de Buzzati, ao Memórias Póstumas de Brás Cubas, do bom e velho Machado, passando pela Ilha do Tesouro, de Stevenson, — que este cronista pangaré está a ler — e alguns outros da mesma ‘fina estampa’.
Depois que ‘conheci’ Manguel, a regra entre realidade e ficção tornou-se clara, sim a ‘regra é clara’: a realidade só pode derivar da ficção. É simples. Não gosto de usar exemplos religiosos, mas vamos lá. Jesus quando contava suas parábolas, — sem pedir dízimos —, a seus seguidores, usava figuras ficcionais, como no caso da ‘volta do filho pródigo’. Nenhum daqueles personagens existiu na realidade, somente na ficção, mas sua ação na mente e nos corações dos homens que a ouviam era inevitável. Lógica da ficção: transformado o homem, transformada a realidade que ele passará a construir no espaço geográfico.
Após os textos religiosos, o Teatro, a Literatura, o Cinema, as Artes Plásticas, todos ajudaram na formação da humanidade construtora de realidades em concreto, aço e especulação. A posse da realidade está nas mãos daqueles que são capazes de teorizar sobre ela e desencadear ecos sobre o senso comum. Quanto não devemos a Chico Buarque pelo seu, “Pai! Afasta de mim esse cala-se”? Ou a Chaplin, em seu clássico, Tempos Modernos, o entendimento de nossa tragédia da perda definitiva do tempo, somado à asfixia do trabalho alienado?  Quantas ‘legislações’ não foram promulgadas com a influência do ‘estado de espírito’ gerado pela ‘ficção’, pelos anseios da Arte? Percebeu, caro leitor: morta a arte, morta a humanidade?!
E como a Arte morre? Quando a mediocridade emerge e vai muito além da linha da cintura e sufoca os indivíduos que não percebem o chafurdar no mediano. Milhões de pessoas ‘escrevendo’ em facebooks, twitter e blogs da vida, mas incapazes de uma frase, uma imagem apenas que possa canalizar os anseios da humanidade.
E além da avalanche de mediocridade, o casamento da política com o capitalismo, apadrinhado pela mídia, tornou-se a nova central de confecção de teorias da realidade. Vem dali o manual ético-moral com suas ‘modernizantes visões’ em planilhas e conceitos ‘otimizadores’ de gestões públicas e privadas; enquanto isso, somos ‘livres’ nas redes sociais ao postarmos que a tarde foi chata, porque havia uma consulta no dentista e nessa hora, não se pode ‘ver’ no celular o que compartilharam de ‘essencial’ em nosso perfil.
Se Jesus voltasse nos dias de hoje, — não acredito que volte, porque às vezes penso que nem veio, pois como ficção que foi, desencadeou maravilhas e tragédias —, mudaria o título de sua parábola da “Volta do Filho Pródigo” para o “Retorno do Filho Medíocre”. Depois de perambular pelas redes sociais, o filho se depara com uma biblioteca e ‘recomeça’ a ler os clássicos e, como conseqüência, resolve mudar o mundo. O primeiro passo é na remoção de políticos do DEM, do PSDB, do PT, do PMDB, do PSB, da Rede Sustentabilidade e derivados, das mãos da iniciativa privada, berço das teorias das ‘realidades’ planificas, estéreis e ‘precárias’. 
A política deve ser pública. Pense nisso! É preciso acabar com o ‘totalitarismo’ da ideia privada e libertar a Arte do calabouço da mediocridade.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Gato Cheshire




Escreve-se Cheshire e se pronuncia ‘cherry’. Um gato simbólico que apareceu para Alice, no País das maravilhas, quando diante de duas estradas e ela pergunta ao gato que flutua, com o sorriso parecido com a lua crescente, qual caminho deve seguir. Ele argumenta sobre qual lugar ela pretende chegar. Alice responde que não sabe. E Cheshire responde que tanto faz, qualquer caminho nos leva a um lugar que desconhecemos desejar chegar.
Ainda no velho Reino Unido, havia um conto do século XVIII, sobre os gatos de Kilkenny, um lugarejo da Irlanda, onde os felinos se devoravam em brigas memoráveis e, por muitas vezes, só restavam suas caudas. Talvez uma metáfora sobre a nadificação do mundo, da corrosão interna e perene dos seres vivos. Hoje estamos altivos e orgulhosos sobre nossos pés; amanhã estaremos debaixo da terra, em silêncio, em lua de mel com os vermes, esse exército da ruína, como diria Augustos dos Anjos.
Cérbero, por sua vez, um cão de três cabeças, é o guardião do inferno de Hades, na mitologia Grega. Também no século XVIII, século em que a humanidade, ao que parece, mais se deixou levar pela psicologia dos contos e histórias, determinou-se que as três cabeças desse cão representavam passado, presente e futuro. Não sei qual seria o futuro de alguém às portas do inferno, diante de uma besta como essa. Mas o fato é que ele guarda o inferno e ninguém sai ou entra sem que seu bafo triplo seja sentido. Um cão de três latidos. Eco sobre eco. Loucura. Tormento. 
Os animais são, na realidade, na literatura, uma metáfora perfeita sobre o que pensa a humanidade, seus desejos e, por vezes, o que rejeita. Expressam a força interior do Homem. Na pré-história o xamanismo só fazia sentido se, nas leituras dos mistérios do mundo e do caos que o alimentava, as figuras dos animais surgissem como lastros para uma racionalidade. — Por isso não é preciso ir muito longe para saber o porquê da torcida gay corinthiana escolher uma Gaivota como símbolo. Querem voar longe, alto, sobre o mar azul, como seus irmãos da Gaviões da Fiel. 
O gato é símbolo da loucura, do mundo insondável, território das bruxas. Quando é negro e, em plena sexta-feira treze, cruza o caminho dos pobres mortais, indica que tudo será virado de pernas para o ar. O cão, por sua vez, é o melhor amigo do Homem e é o guardião do inferno. Ele guarda o Homem e o inferno. Será o interior do homem o próprio inferno?
Ledo e Ivo engano quem pensa que os animais, metafísicos ou físicos, são desprovidos de sentido. Há uma profunda relação entre os lobos e os caribus, nas terras ermas do norte, lá onde o Canadá já não é nem mais Canadá. Os Inuits (esquimós) dizem que os espíritos de ambos estão profundamente ligados. Não haveria milhares de caribus correndo pelas planícies de taigas se não fossem os lobos. Eles devoram aquilo que é de mais fraco e doente nos caribus. Assim eles sempre renascem, em sua maioria, fortes e capazes de sobreviver ao inverno dos extremos latitudinais das regiões subárticas.
Os Inuitis observaram isso muito antes do que Darwin. Às vezes penso com meus fantasmas por que foi mais fácil aos Inuits, supostos selvagens do gelo, entenderam a relação dos seres na natureza, do que explicar a católicos e evangélicos, habitantes eternos da Terra Plana, que tudo no mundo está relacionado e nada se perde, e não somos o centro do universo, menos ainda o quê lhe dá sentido (?). 
Os lobos não choram porque têm o espírito forte. Nietzsche escolheu para si a águia e a serpente como animais símbolos para sua filosofia; eles são corajosos e não têm medo da vida. E isso não significa que não conhecerão a morte e a derrota.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Hochican



Descartes dizia que os macacos só não falavam porque não queriam. Guardar o silêncio foi a melhor maneira de fugir do trabalho. Só os animais que falam e se comunicam devem trabalhar arduamente e desde a expulsão do Homem do paraíso. No bom sentido da palavra, os animais pagaram o pato no momento em que Yaveh saiu com Adão e Eva nas costas e a bicharada a tiracolo. — Por que os animais foram expulsos do paraíso? Que crimes cometeram?
Ao primeiro momento fora do paraíso, com o sol sobre a pele suarenta, e consciente que dali pra frente o sustento seria à base de ‘enxadadas’, Adão levantou os braços pro céu e clamou indignado, “Pai, por que me abandonastes?”. Ao contrário, os animais se mantiveram em silêncio. A boca devidamente fechada nos permite que os ouvidos saiam imaculados a respeito de ordens que, tecnicamente, não podemos deixar de cumprir. Se 'Aquele' que manda determinou que os animais não falam e por isso não trabalham, e são parte de uma natureza cíclica, quem somos nós, pobre primatas pra dizer que não?! Tal veredicto foi dado em função dos animais não se comunicarem e até hoje, pelo que se sabe, não sabem usar o facebook. 
É fato que algumas espécies não deram sorte e ‘suaram’ duramente ao longo da história da humanidade. Cavalos, bois, cabras, como animais de carga; cães, papagaios, elefantes, em atuações artísticas no circo. A lista é longa. Alguns chipanzés tornaram-se astros de Cinema. Mas tudo não passa de um condicionamento, se não forem obrigados, voltam para suas vidas ‘improdutivas’, em obediência à natureza, sentido único e exclusivo dos animais. Também não sei por que seria necessário outro motivo.
Penso, às vezes, com os botões de minhas camisetas Hering que, foi a Natureza quem se rebelou contra o ‘criador’. Ela não aceitou o projeto criacionista de Yaveh, o todo poderoso do mundo judaico que vislumbrou a perfeição em algo estático. A Natureza, ao contrário, desejosa para que tudo se transformasse e nada viesse a se perder, iniciou um eterno retorno sobre si mesma e, — discordando do bom velho Nietzsche—, evoluiu a cada onda que a re-formatava e o fará enquanto durar o ad infinitum. Evoluir é a melhor maneira de fugir de si mesmo, e nada mais sábio do que isto, em se tratando de Natureza, que dirá de homo sapiens para homo sapiens?!
Mas antes que você, caro leitor, fique tão curioso quanto Tony Ramos, que pergunta se é Friboi até mesmo em loja de lingerie, vou explicar quem é Hochican. Dizem os boximanes da África do Sul, que Hochican era um espírito que fugiu desse mundo e levou consigo o dom da fala que havia nos animais. Talvez tenha feito o melhor favor que essas pobres criaturas já receberam na vida. Afinal, quem fala, obrigatoriamente, é alguém que trabalha para viver e sofre nas segundas-feiras. Basta começar o programa do Faustão para se entender o quanto se sofrerá no dia seguinte.
Hochican deixou a fala somente com o homo sapiens, a quem, ao que o parece, amava profundamente. E foi graças a esse dom que o Homem construiu o que chamamos de Espaço Geográfico, e o fez sobre uma força que poderia alimentá-lo ao longo da vida, sem que ele precisasse fazer outra coisa senão levantar a mão e tomar pra si o fruto puro, produzido por essa natureza com gratuidade, desde que ele fosse também natureza selvícola, selvagem, cosmo despudorado. Como diria Caetano Veloso, "mais avançado que a mais avançadas da tecnologias".
        Depois de pegar o fruto da árvore, que tal deitar na areia da praia e tirar um cochilo até a hora da pesca com o arpão feito de galho seco? Nem é preciso perguntar ao peixe, que vive ali na enseada, se ele é Friboi!       

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Por que agimos sobre o mundo?



Robert Frost, um poeta americano, escreveu um dos mais belos poemas do Ocidente, a Estrada não trilhada.  Quando se viu diante de dois caminhos, o poeta escolheu o menos usado, aquele que ainda estava coberto de folhas secas e praticamente não era sinalizado. Essa escolha, menos usual, diz ele ao final, fez toda diferença em sua vida.
Uma bela metáfora para se explicar o sentido de nossas vidas, que diz respeito às nossas escolhas. O princípio da mediocridade está relacionado diretamente com as escolhas óbvias, os discursos prontos, e a profunda ‘especialização’ de se copiar e reproduzir aquilo que já existe.
Se olharmos pela ótica de Frost, perceberemos que o mundo acadêmico pós-moderno, mais perdido do que cego em tiroteio, tem como objetivo o estímulo aos caminhos usuais para a ‘lapidação’ do ser e sua suposta evolução, pois é assim que construímos um mundo melhor. Diga-se de passagem, um mundo saturado de caminhos prontos para o consumo.
É como se dissemos, uns aos outros, através de várias bibliografias: “não seja criativo, alguém já pensou por você e escreveu aqui, nessa página, nesse livro”. Conseqüência: o conhecimento passa a ser simplesmente a citação do que um autor escreveu. Eis uma escolha segura, um caminho usual, já bem trilhado e com profundas marcas de cascos sobre a terra.
Manuel de Barros, considerado por muitos o maior poeta brasileiro vivo, disse que quando recebe publicações de teses de mestrados sobre ele e sua obra, ao se debruçar numa leitura, passa a conhecer aspectos que até então desconhecia sobre si mesmo. Com a profusão de teses e artigos, o caminho mais usual para se conhecer Manoel de Barros é aquele em que nem ele mesmo se enxerga, mas que será a ‘verdade’ acadêmica sobre ele. Melhor escolher um caminho coberto de folhas, e ainda por se fazer: a leitura do que o poeta escreveu com os próprios punhos.
“...e se fôssemos todos cegos?” Perguntou a si mesmo, nosso mestre maior, José Saramago, quando começou a escrever o Ensaio sobre a Cegueira. Faço aqui um pequeno deslumbre de visão própria: a escrita de Saramago é tão niilista, tão reveladora da hipocrisia humana, que não nos cabe outra escolha senão a de amarmo-nos uns aos outros. Há um fio de esperança em toda aquela escrita desprovida de fé na humanidade. À remoção do veneno atuante sobre o corpo social, — depois de tantas palavras escritas e acusações ácidas feitas pelo mestre —, entenderemos, finalmente, que o Homem sempre quis ser bom. Foi a maneira como escolheu para agir sobre o Mundo que o tornou um ser abjeto e medíocre.
Além de cegos, abjetos e papagaios, somos todos feitos de Carbono.  E o Carbono é pra isso mesmo: passar pra outro o que lhe riscaram na pele. Ou seja: alcançamos o nível das notas fiscais de três vias, em termos de filosofia, literatura, música e derivados. — Abra os olhos e poderemos ir muito além do sentido ontológico de uma nota fiscal. Eu creio nisso.  
Bem, se você não entendeu a crônica, paciência. Fique apenas com a dúvida: agimos sobre o mundo para construí-lo, ou para crescermos como seres supostamente pensantes? Abraços, att., Sávio. 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O cristianismo cristão



O Papa Francisco I, a cada declaração que faz, surpreende o mundo, sobretudo os conservadores, a malta, a chamada corte e seus asseclas, que se apossaram da Igreja e a transformaram num Estado totalitário fascista, obcecada pelo aborto, homofóbica, preconceituosa para com a sexualidade e exclusivista. Leonardo Boff chamou a isso de cristianismo pagão, porque remete aos primeiros papas que se comportavam mais como imperadores romanos do que como líderes cristãos.
Foi com papas dessa estirpe, entre eles Leão I, que a Igreja cresceu ao longo desses dois mil anos: força, corrupção, segregação e intolerância foram impostas pelos líderes católicos, ao longo da história do Ocidente. A prática institucional superou a própria teórica cristã de amor ao próximo, solidariedade, aceitação do livre-arbítrio nas questões morais, políticas e sobretudo, nos anseios de liberdade.
Por isso, quando Francisco I diz que “não há um Deus católico, mas sim um Deus universal, ou quando afirma não ter poderes para julgar um gay que procura a Deus, e que também as mães solteiras devem ser recebidas de braços abertos”, — até mesmo as que fizeram aborto — algo de luminoso surge no fim desse túnel assombrado e decadente que é o cristianismo institucional, na pós-modernidade.
De Leão I, no século IV, a João Paulo II, os papas se comportaram como imperadores romanos, ansiosos pelo poder, pela riqueza e praticantes de uma agenda que permitiu o surgimento de ‘facções’ conservadoras e sádicas no seio do cristianismo. São grupos que se especializaram em estimular o masoquismo em seus seguidores, enquanto cresciam política e economicamente. Foi essa Igreja totalitária que permitiu o surgimento da Opus Dei, da Renovação Carismática, a Sociedade São Piu X, Fraternidade de Comunhão-Libertação, Legionários de Cristo, ou seja, um amontoado de soldados conservadores e reacionários, fanáticos por temas que mal conhecem e não dão um passo sem citar Satanás.
Assim, quando Francisco I pergunta a um de seus seguranças, que está em pé a mais de seis horas, se ele não tem lugar para se sentar, e vai ele próprio buscar uma cadeira para um homem, um simples funcionário do Vaticano, até então invisível pelos olhares ‘bondosos’ do cristianismo institucional, e o gesto ganha força nas redes sociais e na própria imprensa tradicional, fica claro o sentimento de que a Igreja vem errando em tempo integral, quando se trata de amar ao próximo. Há mais cristianismo nesse gesto de Francisco I do que em todo pontificado de João Paulo II. — Opinião desse pobre cronista.
Não é à toa que muita gente já se pergunta, e também o faz aqui e acolá, se não vão matar esse papa também, a exemplo do que aconteceu com João Paulo I? Sinceramente, espero que não. Há vários tumores no seio da Igreja que precisam ser extirpados. Não sei se apenas um pontificado seja o suficiente para vencê-los. Ou se quando findada a ‘rádio-químio-terapia’ iniciada por Francisco I, algo de saudável venha a sobrar dessa Igreja que conhecemos. O problema é se constatar que a cura só poderá ser alcançada com o fim da Instituição.  Toda ela, ao longo de todo esse tempo, nada mais foi do que um imenso cancro e seu extermínio imediato, a única maneira de libertar o Cristo da patente farisaica.
Os povos pré-colombianos, que não eram cristãos, já diziam que na vida, às vezes, é preciso destruir para se construir algo de novo sobre os escombros da decadência, da demência, da corrupção, do sadismo, de tudo isso junto que vamos criando, mas que temos de ter a sensibilidade pra jogar fora.  
Que assim seja! Avante, Francisco I.            

                             

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Proficiência displicente



Não, o conceito não é meu, mas de um amigo. Disse-me ele, certa vez, que na vida é preciso se alcançar a eficiência técnica com uma boa dose de displicência. O primeiro displicente-eficiente que me veio à mente foi Cristo, com o milagre inaugural do cristianismo, as bodas de Canaã. A primeira ‘saideira’ da história da humanidade. Esvaziados os tonéis de vinho, bateu desespero nos anfitriões do casamento. O povo ali, querendo brindar, e não havia mais vinho. O bom e velho Rabi estalou os dedos e tudo se resolveu. Pra quem já havia dito, “e faça-se a luz!”, foi mais fácil ainda dizer, “que venha a mim as vinhas do mundo!”, e permitir a consagração da ‘saideira’, nas bodas de Canaã.
Outro displicente genial foi Mané Garrincha, que nunca seguiu esquema tático algum, não se cansava de jogar bola como numa pelada, amava as morenas, tinha belos goles cachaça no currículo e ainda encontrava tempo para suas pescarias. Melhor agenda do que essa, somente nos anos de 1960, na era hippie, onde era melhor viajar pelo mundo e esquecer completamente qualquer tipo de conselho de Instituições burocráticas, em franco acasalamento com conceitos estóicos e semi-fascistas.
  Buda foi outro displicente da eficiência poética, preferiu sentar-se à sombra de uma árvore, às margens de um rio, para encontrar a sabedoria. Pode-se dizer que a sabedoria veio até ele numa balsa, na corda da cítara de um músico que ensinava a um menino, os princípios da música: “...se esticar demais, arrebenta! Se ficar muito frouxa, não produz som algum!”. Era essa a essência da vida, segundo Buda, trilhar pelo caminho do meio, nem tanto ao céu, nem tanto ao chão. Tal como na arte de fazer uma caipirinha: se colocarmos pinga demais, azeda o paladar. O açúcar em excesso desfigura a alma da cana. O limão em demasia deixa o treco ácido. Tem que ser a medida certa, no caminho do meio, com duas pedrinhas de gelo como Avatares de uma transcendência tropical inesquecível; melhor ainda se for à beira-mar. — “...ao sol que arde em Tapuã”!
Ao contrário da proficiência displicente, existe a ‘proficiência ortodoxa’, séria por demais, essencialmente de direita, que é característica de quem não tem criatividade o suficiente e não sabe escolher o que lhe é caro, em detrimento do que é meramente aparente e vazio. O proficiente ortodoxo sempre escolhe errado: prefere as planilhas ao invés dos prazeres da vida. Os nazistas eram proficientes, por isso escolheram a morte e o extermínio, ao invés da beleza da diversidade.
Imagine por um segundo se Hitler tivesse vencido! Parte de seus planos era purificar as ‘raças’. Isso corresponderia no extermínio de judeus, negros, árabes, japoneses, esquimós e até mesmo no fim de todos os brasileiros, mestiços por demais, segundo ‘os cabeças-de-planilha’ nazistas. Dessa forma, seria extinta uma das mais belas obras da evolução da humanidade: a bunda da mulher brasileira. Não consigo imaginar um mundo sem essa obra divina e cara a todos nós. E olha que não falta gente que diga que, “...esse Hitler estava certo, pena que seus planos não se concretizaram!”
Não há outra explicação: “...quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça, ou doente do pé. ...ou ainda não descobriu o Viagra”.  

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

As ‘Olavetes’




O Brasil já se igualou aos países do chamado primeiro mundo em vários aspectos. Um deles é na quantidade de falsos intelectuais que fazem a cabeça de gente que não tem a própria. Antigamente, quando exposta a insipidez do raciocínio do ‘anencéfalo’, atribuía-se a ela a função exclusiva de portar chapéus. Com o decorrer da modernidade digital, a alcunha transmutou-se para ‘cabeça-de-bagre’; hoje podemos chamá-los de orcs, trolls, tucanos, filhotes de bolsonaros, malafaites, infelicianos, olavates e derivados.
As olavetes, especificamente, são os seguidores do ‘filósofo’ Olavo de Carvalho, que prega, entre outras bobagens, que toda esquerda política deve ser ignorada e até exterminada, porque faz raciocínios generalizantes. Exatamente com ele o faz ao definir a esquerda. E mais: usa e lambuza de conceitos antropológicos quando afirma, por exemplo, que não existe a homofobia. Rebaixa a Filosofia ao nível teológico ao dizer que, esse mundo é um rascunho, — que Platão o perdoe — , de algo maior. ‘Em suma’, é a própria essência do pensamento conservador que ainda dá sustentação a melancólicos episódios da História do Brasil, como o golpe de 1964, e a manutenção da ditadura à base de porretes. Até Dostoievski se torna um anão literário diante da interpretação empobrecida do ‘filósofo’ sobre o escritor russo e a finalidade de sua obra.
Claro, discordo em gênero número e grau dessa baboseira conservadora e da marcha ruminante das olavetes na busca pelo poder e pelo monopólio do saber e pelo ansioso desejo da posse exclusiva da crítica intelectual ao mundo que nos rodeia. Em analogia, Olavo & suas olavetes habitam um latifúndio improdutivo, recheado de sectarismos e propenso a um flerte perigoso, e não menos asqueroso, com as concepções totalitárias do nazifascismo.
Cuidado leitor, não caia nessa de que todo remédio contra o petismo, o chamado anti-petismo, tenha soluções exclusivamente conservadoras e de extrema direita. É possível ir além do PT com mais democracia, mais inclusão, mais tolerância, mais liberdade, mais espaço para a arte, com mais subversão, com mais liberdade sexual e não o oposto, que é a militarização do pensamento como oposição unicamente possível, em nossa política atual.
Sem liberdade, subversão e democracia não teríamos a evolução da arte. Não teríamos Pink Floyd, Van Gogh, Pissarro, Led Zeppelin, The Beatles, Villa Lobos, Guimarães Rosa, Miles Davis, Miguelangelo e mais uma diversidade de produções artísticas. Diversidade, não uniformidade. O bom e velho Nietzsche já dizia que quanto mais Estado, menos Arte. Mas muita gente não entende que quanto mais o Estado vier a se moldar em nossas vidas de indivíduos, mais livres seremos; o oposto é o Totalitarismo. — Quase ninguém entende Nietzsche. Normalmente são os mesmos que não entendem o ENEM.
Mas a pergunta a se responder é: que tipo de indivíduos somos? Nenhum e todos, somos diversos. É justamente aí a importância de um governo popular que, através da legislação e da implementação de programas sociais contínuos, vai destruindo os conceitos fascistas enraizados no senso comum conservador e vai derrubando o último altar das viúvas dos Estados Capitalistas Totalitários: a meritocracia.
A meritocracia é imposta aos pobres e miseráveis como a única maneira de evoluir na vida. Imagine por um momento, os porta-vozes do conservadorismo: Veja, Folha de São Paulo, Globo, Estadão e outros similares sem o Bolsa Imprensa. Sem os milhões que recebem do Estado como propaganda obrigatória. Uma lei criada em tempos de mídia impressa, eu sei, e de canais exclusivamente alcançados por concessões estatais.
A internet, com seus blogs, jornais, mídia ninja, redes sociais e you tubes da vida, pode nos fazer economizar um dinheirão público. Afinal, por que alimentar empresas como a Globo, a Abril e outros que vivem de maneira muito pouco ‘meritocrática’ em tempos de informação digital? Sim são mistérios que as olavetes, e menos ainda as ‘azevetes’, seguidoras de Reinaldo Azevedo, podem explicar.   

sábado, 21 de setembro de 2013

Fiz um solo de guitarra sobre uma base (track) 'floydiana'....



Ao deus Dionísio:

"oh deus!, que mora na escuridão da canção,
quero pedir perdão pelos lábios
que não beijei,
pelas noites de luar que não cantei.
Por deixar de amar".    

Qualquer coisa Pink Floyd é dedicada aos Dybbuks da vida.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O amor e o cadáver


“Ser feliz é sorte e a parceira morte não diz onde está você”.  A morte é uma parceira constante, capaz de fazer versos fantásticos. Sempre que preciso escrever algo e tanto a inspiração quanto a transpiração negam o ar da graça, procuro minha mesa no quintal, sirvo-me de minha branquinha (que de fato é amarelinha) e puxo a outro cadeira para que minha morte possa se sentar. A morte não bebe, disse-me que esse hábito não faz bem a saúde.
Segundo Dom Juan, personagem de Carlos Castanheda, ela está sempre ao nosso lado esquerdo, e em dias de descuido, — porque tudo no mundo do além túmulo não é muito preciso —, podemos vê-la com um olhar de esguela (com o canto dos olhos), mas é coisa rápida. Dá pra ver a roupa preta e, com um pouco de sorte, a ponta da gadanha; ela é prateada. A foice da morte nunca derramou uma gota de sangue, quando ela toca num corpo inanimado, o sangue já está paralizado.
Foi ela que me ensinou, através de Singer, que um cadáver é poderoso por demais. Já não responde mais às palavras, não precisa mais obedecer ninguém nessa terra de ninguém e está livre da alma; não vai nem pro inferno e nem pro céu. Apenas transformar-se-á, porque nada se perde no universo de Lavoisier. — Acho a palavra transformar-se-á uma das mais belas esculturas da língua portuguesa, o futuro do presente, que é a morte.
Aquele corpo inerte amedronta aos outros que estão vivos; inspira o silêncio. Quem tem medo do silêncio não deveria morrer, não deveria se aventurar nessa partitura de jazz praticamente ilegível. Cercamos nossos cadáveres de flores, na esperança de que a morte seja um jardim, onde possamos brincar com velocípedes e cantar canções de roda. Mas é tudo um profundo silêncio, não somos mais um ser em ato. Só memória em potencial. Passamos a ‘ser algo que só poderia ter sido’.
Nosso corpo é dotado de uma irracionalidade profunda. Vem apodrecendo de fora pra dentro, somos observadores privilegiados da contínua ‘cadaverização’ de nossos corpos, nossas jangadas. O cabelo branco, o ranger das juntas, a secura dos olhos, o afinamento das pernas, as varizes, a miopia, a próstata... ah! a bendita próstata, guardiã do veículo líquido do prazer que, independente da idade, quer continuar com seus portais abertos, mas o sangue não ajuda, não circula, as veias perdem a elasticidade dia-a-dia; num paradoxo, a conseqüência disso é a ausência de firmeza.
E o amor, onde entra nessa ópera bem ao estilo dos irmãos Marx? Enquanto eu descrevia meu exuberante trajeto decante corporal, minha morte era só sorrisos. Há um toque de humor negro nesse projeto que nos permite criaturas de carne. Mas podemos vencer o sadismo da vida quando olhamos nos olhos de quem se ama, tão profundamente, a ponto de entendermos que somos capazes de escrever um soneto, uma canção, dar luz a um desenho, ou dar formas a uma escultura. Sentimos algo que os deuses não podem sentir. É por isso não podemos explicar o amor, se o fizermos, os deuses tomaram conta dele.
“Porque é fogo que arde sem se ver” que o amor se torna misterioso. O coração humano é a caixinha de Pandora dos deuses, no frágil momento em que ela se abre, quando somos tocados pela morte, eles desejam profundamente capturar os vapores que emanam dele, um perfume a ser guardado num frasco para se usar a bel prazer. Mas o amor sempre trai aos deuses.
Freddie Mercury escreveu, numa das mais belas canções do rock, Bhoemia Rhapsody: “Mama, matei um homem. A vida mal havia começado, mas puxei o gatilho”.  O homem morto era ele mesmo. Matou a si mesmo sem sair da vida, sacrificou o que havia dentro da sua própria ‘moral zoroastra’ (deuses não podem fazer isso). Termina a canção dizendo que: “Belzebu é um demônio que vive e existe somente pra mim... e que realmente nada importa. Pra qualquer lado que o vento soprar”. Ao se matar metaforicamente, Mercury antecipou toda a degeneração implícita ao animal racional universal e tornou-se livre para amar, ou pelo menos tentar amar e ser amado.
Pra quem não sabe, minha morte tem a voz de Baddy Guy no blues ‘living a proof’. Não conhece? Pô, já existe you tube!
  
                                                     

    

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O 'Diabolus Citation'



Citation, no latim, quer dizer citação. É um demônio do mundo acadêmico que vive a assombrar os calouros do conhecimento. A finalidade de sua obra é espalhar as trevas entre seus alunos. Mais fácil explicar seu ‘ofício didático-pedagógico’ usando um exemplo oposto da mitologia grega. Prometeu, filho de Jápeto, um Titã, havia criado a humanidade misturando o barro da Terra às suas lágrimas. Atena, deusa do Olímpo, deu a essas pobres criaturas a alma. Mas é fato que a humanidade criada por Prometeu vivia nas trevas e em profunda ignorância. Eram seres abissais.
Prometeu, como todo bom criador, sentiu compaixão por suas criaturas e percebeu que elas poderiam ser melhores do que eram. Por isso roubou o fogo de Zeus e o entregou aos Homens. O fogo correspondia à razão, à fagulha do pensamento que possibilitou ao Homem entender mais e mais sua condição existencial, em contrapartida ao privilégio da ‘eternidade’ dos deuses. As diferenças entre o Homem e o inseto, sem a visão racional, ‘seriam praticamente imperceptíveis’.  
Com a posse do fogo da razão, os homens exilaram, lentamente, os deuses nos labirintos da literatura, e se apossaram do mundo físico. Por mais que Poseidon, na Odisséia, desejasse castigar Odissius (Ulisses), para que este entendesse que o Homem não era nada sem os deuses, a humanidade encontrou forças para seguir em frente em sua jornada evolutiva. Enquanto que os deuses jamais conseguiram interromper sua contínua trajetória descendente às páginas das ficções. O gesto de Prometeu fez um estrago permanente no domínio dos deuses sobre a mente humana.
Mas os deuses, em contínuo silêncio, nunca desistiram de sua vingança. Soltaram dos calabouços da mediocridade o demônio Citation, imbuído da fervorosa missão de abismar, novamente, a Humanidade na lama das trevas. Para isso Citation se multiplicou e hoje habita os centros acadêmicos do mundo pós-moderno ocidental. Numa aula sobre a cultura celta, num exemplo, Citation solta sua névoa intoxicante à base de citações, e é capaz de citar o penteado de Einstein, a tabela periódica de química, os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas, a teoria do Big-bang, a importância do direito canônico, as diferenças entre a 1ª e 2ª edição de um livro de poesia de Castro Alves e por fim... do que era mesmo aula? Isso perde importância, a platéia já se desconectou do mundo e já não sabe mais porque veio até àquela aula para ouvir algo que lhe deveria ser importante. Eis as trevas.   
Citation trabalha no sentido contrário ao de Prometeu. Se este deseja tirar a humanidade das trevas com a luz da razão, que estimula a crítica, o sentido prático e teórico do saber, além do próprio papel do conhecimento no mundo, o outro, de maneira diabólica, quer criar um mundo paralelo, um simulacro da sabedoria diante dos olhos de suas vítimas. Entre o significado do mundo e do Homem, Citation cria uma miragem, uma Disneylândia à base de conceitos terceirizados.
E quando percebe a expressão de assombro de seus ouvintes, — que nunca ‘entendem’ nada de nada — Citation tem um orgasmo, um gozo tecnocrático, pois percebe que está diante da germinação das trevas; é seu momento de glória, sua vitória particular sobre Prometeu, que beneficiou a humanidade com a luz da razão. Basta uma aula do Citation para se perceber a morte da razão.
Mas não fique triste se, após ler essas parcas linhas, você descobriu que está sob o domínio de um Citation, num pleno velório da racionalidade. Há um grande remédio contra esse mal: Voltaire nele! E não se preocupe, não há contra indicação para utilização do cinismo do mestre iluminista.
Caso Voltaire não seja forte o suficiente para abismar o ‘Baal Citation’ pra fora do corpo que não lhe pertence, não tenha uma crise de nervos. Nietzsche dissolve qualquer idiotice moderna e pós-moderna. A luz que emana de Zaratrusta é provinda diretamente de Prometeu, e é forte o suficiente para espantar os deuses e seus feitiços menores espalhados pelo caminho. Numa mente sem uma gota de metafísica, Citation é menos que papel usado. Não há razão para ter medo, as trevas nunca vencerão a luz da razão e de sua crítica. Ave, Prometeu! (sim, porque voa alto).                                               

                  

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O funeral Viking



“Por que nós fazemos com as criaturas de Deus o que os nazistas fazem conosco?” Shosha, personagem de Isaac Singer, num romance homônimo, faz essa pergunta a Arele, que é o próprio Singer, meses antes da invasão de Hitler — que seu nome seja apagado da história — à Polônia. Casados, os dois sondavam a infância num passeio. Lembraram-se, para vergonha de Arele, que ele era o campeão de massacre de moscas. “Mas por que Deus criou as moscas, se elas picam?”. “Shosha, não sei, isso não tem resposta!”.
Ao terminar de ler o trecho, fui invadido por uma visão. Eu, pobre e cético mortal, já havia exterminado uma série de seres ‘criados por Deus’, ou pela natureza, o que dá no mesmo, segundo Spinoza, e de forma tão cruel e fria como os nazistas no Holocausto.
Enquanto olhava atônito o vazio à minha volta, meu cão se aproximou. Gosto de ler deitado num tapete esticado no quintal, com os pés no sol e corpo na sombra. E era justamente no corpo do meu pobre cão que ocorrera a minha última ação de extermínio. Minha alma pesou, um chumbo que foi até os pés. Eram as vozes gravitacionais do inferno me chamando pra baixo.
Aprendi, nos episódios do Dr. House, que as pulgas mordem os ratos e depois passam pros cães e, dessa forma, a peste bubônica pode se transmitir livremente; não é e nem nunca foi um privilégio medieval, a peste negra. — No Absolutismo francês dos ‘luíses’, a nobreza do cão era medida pela quantidade de pulgas que ostentavam em seu pêlo. Chique!
Claro, entre os reis absolutistas e os diagnósticos do Dr. House, melhor o segundo. E foi com base nisso que espalhei Frontline no pêlo lanoso de meu brother Kapang (foi ele quem escolheu o nome, e outro dia eu conto).  Dada então a revelação de Singer, fui olhar entre os pelos de Kapang e lá estavam dezenas de cadáveres de pulgas, todas exterminadas pelo mesmo princípio do gás nazista. Help! I was a monster!  
Minha reação foi imediata. Peguei uma caixa de fósforos vazia e recolhi seus corpos e preparei um funeral Viking. Um amontoado de pedras, a caixa de fósforos como esquife, o pôr de sol como cenário, a trilha sonora do Led Zeppelin, Imigrant Song, e o fogo ardendo em pureza; enquanto isso os espíritos das pulgas subiam em direção à luz do Valhalla, o paraíso dos Vikings, onde Odin, junto aos seus guerreiros, numa mesa cheia de carne assada e cerveja, assediados pelas Valquírias, celebram a eternidade, que na mitologia nórdica, ao contrário das outras, tem um fim. O chamado crepúsculo dos deuses.
‘Em suma’, acho que ouvi um trovão vindo do céu, um esporro. Era Odin que gritava, “QUEM FOI O FILHO DA P... QUE MANDOU ESTAS PULGAS PRA CÁ?!
Um amigo me disse que as pulgas não têm espírito. Retruquei dizendo que São Francisco amava a todos os animais e não dedicaria sua vida e seu amor a seres desprovidos de alma. “Pulgas não são animais, mas sim insetos da ordem dos sifonápteros, parasitas que vivem do sangue dos mamíferos; estes sim, animais”.
Retruquei dizendo que a única coisa que consolava minha consciência, sobre o extermínio causado por mim, era a possibilidade das pulgas estarem num lugar melhor. Sei que era um sofisma glamoroso, pois a simples idéia da existência da alma justificaria a morte de todo e qulauqer ser. Pensei em silêncio em quantas vacas eu já não havia ingerido. Deuses hindus descendo pela minha garganta, temperados com sal grosso, acompanhadas pela cerveja gelada. 
Diferente do nosso tim-tim e do tradicional saúde, quando batemos nossos copos, brindarei agora como os dinamarqueses, com sua palavra sagrada: SKOL. E que as pulgas me perdoem, pois brindarei a vida de cada uma delas.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O quadro da mulher nua





o corpo impressionista se dissolve na luz aberta do espaço. 
Sem burocracia ou moral,
o corpo, essa desejada obra de arte,
se dissolve no soneto, no vinho, 
sugamo-lhes a alma, como os olhos de 
Renoir.

Sim é fato, os dybbuks escrevem, desenham, fazem serenatas.
Têm medo, muito medo,
que toda sociedade lhe aponte o dedo:
"lá vai o cultuador de corpos, o devorador de almas, o semeador de sonhos."

Oh! cárcere maldito que nos prende sem grade alguma.
Hamlet, esse dybbuk inveterado, sabia o quanto
é torturoso não viver, não ser..

Me tornei um cordeiro, um fiel, 
uma triste ilusão desejosa de dissolver-se na luz, 
e encontrar o amor eterno, 
expressado assim, simples e ardentemente, 
pela retina angélica e 'augusta' de Renoir... 

August Renoir, mais um pisciano que desejava a luz... 




  

sábado, 31 de agosto de 2013

Madredeus - Guitarra - num filme de Win Wenders, O céu de Lisboa


...e enfim, as províncias ibéricas de meu corpo,
em consonância ao mar que sussurra ao casco da barca no rumor das ondas,
à voz pura de Tereza Salgueiro, ao monobloco dos Açores,
onde eu, como fastasma, viverei de pés molhados,
olhando o sol dos mortais, sinalizarei aos argonutas,
com o fogo nos galhos dos cedros, que 
ali está o caminhos para as índias...

...de violão em punho, direi:

'eu tive o meu caixão naquela forma bizarra: a forma de um coração,
 a forma de uma guitarra...
...sinto mais suave a vida, quando tu,
guitarra,
choras comigo'.    

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Alma vagabunda



Só ‘vai pro céu’ quem for capaz de viver em paz consigo mesmo. Aquele capaz de olhar a mudança lenta e constante das estações. Quantos pássaros freqüentam a árvore de seu quintal? Saber isso é um pré-requisito imprescindível para se alcançar o paraíso. Há outras coisas que precisamos aprender para encontrar a paz: quantas ondas batem diariamente nas areias das praias de Ubatuba?  Ou ainda, sentir o cheiro da chuva, que é terra molhada, um momento antes de saborear um gole de vinho português.
O caminho mais longo para o céu é através das Instituições religiosas, que são apaixonadas pelo sofrimento. Teólogos, by Paraguai, dizem de boca cheia que o termo, Religião, vem do latim e quer dizer religare. Ou seja, se re-ligar a algo do qual você já fez parte. Todos, dessa forma, têm um desejo ‘inconsciente’ de retornar pro lugar de origem. Mas do que adianta voltar ao seio da luz com a alma atormentada pelas urgências da vida banal e patética que vivemos? Esse papo de encontrar o ser perfeito, puro e eterno, é caô. Como alguém que ainda não se encontrou consigo mesmo, e nem com os que lhe estão próximos, vai alcançar a perfeição? Parece pura pretensão da bolha de sabão que deseja ser águia.
Quando se pratica ‘o fazer nada o dia inteiro’, nos deparamos com alguém que tem a alma vagabunda. Somente aqueles que gostam suficientemente de si mesmos podem ficar à toa. E não significa que são uns à-toa. Quando passam a gostar de si mesmos, conseqüentemente, se apaixonam pelos outros. Tudo fica mais fácil: se enamorar, partilhar pequenas delícias, cultivar leves indecências, amar palavras secretas, usurpar partes de poemas para se roubar beijos, possuir pedaços de outras almas e finalmente, tornar-se um polígamo virtual.
Vinícius de Morais era um polígamo real. Amava a música, as mulheres, o uísque, a banheira em que compunha canções, as amizades —, que em nossas vidas são como as monções de inverno e verão — e, acima de tudo, amava ficar à toa, olhando pro mar e tentando fugir o máximo possível da morte. A felicidade de poder encontrar a si mesmo, pelos caminhos da vida, desperta um profundo anseio de viver pra sempre.
Somos muitos dentro de uma casca perecível. ‘Legiões’ representando papéis teatrais escritos por mãos nem sempre generosas. Culpamos o destino quando a tragédia nos envolve em situações asfixiantes. Mas é só falta de coragem de expulsar, de dentro de nós, esse espectro de personalidades que nos torna ‘um Legião’. O fascista, o advogado, o capitalista, o religioso, o mestre, o comerciante, o vaidoso, o atleta, o faxineiro, todos eles, sem exceção, devem ser expulsos de nós. Que sejam abismados nas nuvens e se tornem chuva sobre o sertão.
Quem deve sobrar? Você deve estar perguntando. Não sei, se desse a resposta, assim, sem pensar ou sentir, não seria autêntico, mas algo fabricado por mim para parecer verdadeiro aos seus olhos. Quando estou a fazer nada, penso em Saramago e nos palhaços. Devo expulsá-los de mim? Para me encontrar comigo mesmo tenho que ser justo e imparcial para a expulsão de todos que compõem minha alma. Mas como suportar a ausência de palhaços nos salões de bailes? Com quem irei conversar, quando Saramago deixar de ser parte de mim? Que palavras irei usar para explicar o mundo a partir de então?  Mas pra que explicar o mundo? 
Só sei que nada quero saber, — bem diferente da mentira dita por Sócrates para parecer humilde e disfarçar sua sagaz e vaidosa inteligência. Voltando ao tema: vou publicar um decreto: as portas de minha mente estão abertas, que todos partam em paz. Você não pode ver, mas assim que decretei isso, enquanto escrevia essas pobres palavras, apareceu diante de mim uma ‘escada para o céu’. Tudo bem, você não pode vê-la, então ouça. É a quarta música do quarto LP do Led Zeppelin. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Maciel Cisterna



Maciel tinha a cabeça no formato de uma cisterna, diziam que sabia de tudo. Devorava qualquer livro, ou qualquer informação de maneira rápida, e que em poucos minutos era capaz de discursar sobre o assunto absorvido e sem o uso dos dentes, ou da necessária digestão metabólica cerebral. Dava luz imediata a ensaios, que para freqüentadores de salões acadêmicos, medianos em sua formação, sugeriam pérolas da originalidade. Mas que na verdade, desmascarado o vocabulário pomposo e rococó nas entranhas de tais ensaios, emergiam meros aglomerados de citações de outros autores. Era seu maior segredo, o fato de não ter uma voz original.
Apesar de lecionar Lógica, seus alunos, durante suas exibições retóricas e digressões temperadas por UFOs, espiritismo, xamanismo e ‘filosofismos’, nunca conseguiram desenvolver uma linha de raciocínio que os libertasse do labirinto da ignorância. Quanto mais aulas, mais trevas e mais citações de um mundo distante e, inevitavelmente, menos lógica. Aos pobres alunos só restava uma arma: afagar o ego da Hidra das citações vaidosas para que ela não os castigasse na nota. Logo, em termos lógicos, só sobrava aos alunos a manipulação. 
Mas um dia a casa caiu. Uma bela noite um aluno lhe perguntou o que significavam os versos: “...homens vestidos como nuvens, ajoelhados diante de redes crepusculares...”, de Dylan Thomas. Abatido, sem voz, sem capacidade de entender uma simples metáfora que indicava o fim comum da vida de velhos pescadores do país de Gales, terra de Dylan Thomas, e também pelo fato de nunca ter lido nada a respeito do poeta, Cisterna extraiu do limbo a frase que sempre condenou em seus colegas, “...vou pesquisar, depois te explico!”. Foi o silêncio mais constrangedor já ouvido naquela Universidade.
Pode parecer estranho, caro leitor, um aluno perguntar ao professor de Lógica sobre uma questão de Literatura, mas Cisterna dizia-se a última coca-cola do deserto, e que sabia de tudo e lia sobre todos os assuntos. Era um buraco negro capaz de absorver qualquer livro e expelir a luz de suas páginas em forma de críticas, ensaios, artigos e discursos mais.
Pobre Maciel Cisterna, dizem que até hoje não aprendeu que o significado de ser sábio corresponde ao gesto de saborear, sorver lentamente os saberes do mundo. E ainda: que o oposto disso, segundo o bom e velho Nietzsche, a quem agradeço as lições de vida, é a gula suína, que não mastiga o que come, e simplesmente engole sem sentir o sabor de coisa alguma.
Se engana quem pensa que tive aulas com o Cisterna, quando passei por essa Universidade. Me formei em Assistência Social, um curso que não tinha espaço para um professor de Lógica. Na realidade, eu ouvia conversas nos balcões dos botequins que rodeavam o prédio da Universidade. Muita piada, muita maldade, muita invencionice.
A última que me chegou aos ouvidos, quando já estava formado, parecia um castigo do Olímpo. Sua noiva, cansada de esperar por seus doutorados, o trocou por um pé-de-valsa, um mestre de salão de bailes de forró; uma alma simples, que nem diploma ainda conquistou, mas que é gentil e doce a ponto de roubar o coração de damas que vivem trancafiadas em castelos acadêmicos.
Espero que hoje esteja lendo Dylan Thomas e entendendo por si só e que ele não se confunda quando souber que o poeta Gales disse que uma cerveja gelada, no primeiro gole, é Deus engarrafado.                                                                 

domingo, 18 de agosto de 2013

Buzz Lightyear



Infelizmente nossa ‘era’ confunde a figura do filósofo com a do Conselheiro Acácio, um personagem da obra, O primo Basílio, de Eça de Queirós. Segundo a Wikipédia: ...esta figura fictícia tornou-se célebre como representação da convencionalidade e mediocridades dos políticos, burocratas e filósofos dos finais do séc. XIX, sendo até à atualidade utilizada para designar a pompa balofa e a postura de pseudo-intelectualidade utilizada por muitas das figuras públicas. Deu origem ao termo ‘acaciano’, designação utilizada para tais figuras ou para os seus ditos.
A filosofia acaciana é habitada por uma série de papagaios hermeneutas, capazes de citações sobre o quê disseram Sócrates, Platão e Aristóteles, — santíssima trindade da filosofia convencional —, sobre fatos ocorridos aos filósofos, em geral, e o que disseram sobre eles, alguns outros autores de textos sobre filosofia. É como estar diante de um catálogo de páginas amarelas de serviços, não de sabedoria. São esses mesmos ‘Acácios’ que elevam alguns pensadores ao status de verdadeiros e imprescindíveis e determinam que outros devam habitar o limbo, como no caso de Marx, banido por gente que não produziu nem 1%, em termos filosóficos, da obra do crítico maior do capitalismo.
A quem interessar possa, o filme Toy History I traz uma cena extraordinária sobre o significado de conhecer o mundo e a si mesmo. Buzz Lightyear, herói espacial, que tem a missão de exterminar o malfeitor Zurg e proteger a galáxia, descobre o significado de sua existência. Desde que foi retirado de sua caixa (ventre) e que seu cérebro começou a ‘funcionar’, ‘acreditava’ que sua missão era sua essência e que seus poderes, indicados num manual, o livro máximo da ‘verdade’, o constituíam como a plenitude do que é o ser. Um ‘Ledo e Ivo engano’ temperado pela ausência de consciência sobre si mesmo
Buzz demora, mas tal qual Zizek, entende o ‘significado’ das coisas. Tem uma revelação diante da tela de um aparelho de televisão. Assiste ao comercial que o localiza no mundo, que revela seu papel e desnuda seu ‘ser-em-si’. A partir daquele exato instante, passa a conhecer a si mesmo de maneira integral e inquestionável: ele é só um brinquedo manipulável. O choque entre a idealização de si mesmo e a dura realidade o projetam numa vertigem (náusea) e o colocam no mesmo patamar de um Lennon. Buzz conclui, diante de si mesmo estampado no comercial da TV: “...the dream is over”.
A questão principal do Conhecer a ti mesmo não é o fato possibilitar a criação de uma descrição, um perfil, uma imagem virtual-moral de nós mesmos, mas sim de entendermos qual é o significado de conhecermo-nos a nós mesmos e de maneira crítica e ética. Mais fácil escrever uma obra como a dos Beatles do que sermos éticos com a própria auto-análise. — Singer, meu irmão que estava perdido no mundo e à casa torna, sabe que não estou falando de culpa, nem de desejos frustrados.
É por isso que admiro Buzz Lightyear, capaz de caminhar em direção à maturidade filosófica e suportar os sintomas de decepção e tristeza, — ele nunca foi o que pensava ser —, mas se torna senhor do próprio destino quando entende o quê significa ser Buzz Lightyear no mundo. ‘Afora todos os sonhos’, somos todos um tanto quanto Buzz Lightyear: temos um manual implícito, o DNA; lemos em nossos livros, escritos por nós mesmos, o que é a verdade e nos imaginamos muito maiores do que realmente somos. Se houver coragem suficiente para duelarmos com a vaidade, — essa nossa alma gêmea que vem ‘em anexo’ —, e vencermos, começaremos a entender o significado de nós mesmos no mundo.
Entre uma palestra dos Conselheiros Acácios da vida e uma gota de silêncio que precede o mergulho de um sapo num lago de uma floresta qualquer, prefira o filosofar anfíbio. Afinal, viemos da água ou da terra? Depois tente entender o que significa poder responder tal questão.      

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Os irmãos 'metrôlhas'


Se não fosse a corrupção dos cartéis tucanos no metrô de SP, um rombo próximo dos R$ 550 milhões, o preço da passagem estaria custando, hoje, R$ 0,90. Covas, Serra e Alckmin, e até a campanha de FHC em 1998, foram ‘alimentados’ pelas empresas que ganharam as licitações ao longo desses anos. Era isso o choque de Gestão que apregoavam os tucanos?
Alckmin quis sair pela tangente dizendo que, “...o estado de SP foi lesado!”. Sim, nós sabemos e foi pelos governos dele, do Serra e até por uma pitada do governo Covas. A classe média alta paulista está órfã. Seus heróis são de carne e osso e não querem nem saber desse papo de que dinheiro público é ‘sagrado’.
O PSDB nacional até agora não disse nada. Alckmin tentou um segundo ato para sua reação de ‘espanto’, um teatro que tem como finalidade a tentativa de dizer que, o governador ‘não tinha domínio sobre os fatos’. ‘Dessa forma’, o governo paulista processou a Alston e a Siemens para que devolvam o dinheiro provindo da formação de cartéis nas licitações das obras do metrô. Ótimo! Mas pergunto: os tucanos não deveriam devolver o dinheiro do financiamento de campanhas, primeiramente, para essas empresas, para que depois elas possam ressarcir os cofres públicos?      
No caso específico desse processo, se Alckmin afirma não saber nada, passa a ser indiferente, para nós, cidadãos, se somos governados por ele ou por uma banana, ou uma chuteira velha.  Como o governador do estado de SP não sabe nada sobre uma das maiores obras de transporte público do país? É essa gente que quer voltar a governar o país?    
Destruída a escola pública paulista, mais a inépcia na saúde e ainda as privatizações sem sentido, ‘obra de deuses’, resta o PSDB um pedido de desculpas nacional e um suicídio para nosso alívio definitivo. Por favor, tucanada, vão para os EUA, China, Itália, Egito, qualquer lugar onde acreditem nessa ladainha de choque de gestão e de privatizações a todo custo.
Na roça, em meio á sabedoria popular, o tucano é um pássaro de mau agouro. Destrói galinheiros, rouba frutas e quando recebe muito vento de frente, em seu voar atabalhoado, volta para ponto em que partiu. Ou seja, voa pra trás. Uma anomalia, um desequilíbrio, uma ave que desafia as leis da evolução e da inteligência de milhões de eleitores masoquistas desse Brasilzão.
Quero das os parabéns ao Serra, filho de um feirante, mas que hoje pode se orgulhar de sua filha, Verônica Serra, uma vitoriosa, que tem como sócio, Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do País. Com um aporte de R$ 100 milhões, adquiriram 20% da sorveteria Diletto, avaliada em R$ 500 milhões.
Gente fina é outra coisa. Gente que, com certeza, não anda no metrô de SP.