quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"Orações", ejaculações e exibicionismos


O poema abaixo é dedicado ao velho Buk


De manhã me vejo diante do vaso.

Imagino toda a urina do mundo esgoto abaixo.

É manhã, nos multiplicamos como insetos.

Um labirinto de canos conduzindo urina, merda e escarro.

Por que nos multiplicamos tanto?

Quanto mais de nós, mais imbecilidade.

Que horror!!

O deus imbecil é o mercado de consumo.

É manhã. O som da descarga agride.

Sinfonia para os rebanhos metafísicos.

Sou um animal. Como proteínas, vitaminas.

Metabolizo substâncias.

Crio ilusões cerebrais. Delas a verdade.

Mas o mundo real é inerte aos meus sonhos.

Sou apenas uma fábrica ambulante de merda.

Urino no vaso, de manhã, e é hora da labuta.

Que horror!!

Quem chamou isso de modernidade?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Eu e o Diabo



Foi nessas noites em que a garoa cobre a cidade. Eu estava saindo de uma padaria, passando em frente a uma igreja protestante e ele saiu com sua capa preta, ar de cansado e fumava um cigarro amassado. Enfiou as mãos nos bolsos e começou a caminhar ao meu lado. É feio deixar os outros sozinhos na calçada, quando se caminha na mesma direção. Disse “boa noite”. Ele só balançou a cabeça e disse, “...tenho plantão em quase todas as igrejas, sexta é dose.” Em suma, ele recebia para entrar nas igrejas e se apossar de algum espectador. Com o domínio do corpo do pobre fiel, se jogava no chão e começava a se estrebuchar. Em seguida vinham os cavaleiros da salvação e faziam o exorcismo. Durava não mais do que cinco minutos. Ele saia e o pobre voltava ao normal. E logo ia para outra sessão, em outra igreja, ainda em andamento.


— Você não é onipresente? — Perguntei inocentemente. Ele disse que essa patente era de Deus. Já havia tentado uma utilização simultânea com primos, só que deu zebra, a parentada bebia demais e as possessões caiam no descrédito. O máximo que havia conseguido era uma terceirização com Judas Escariótes e Barrabás, que também atormentavam nos centros kardecistas, o que criava uma sobrecarga. Os demônios da antiga Babilônia já estavam aposentados e viviam em paraísos fiscais. Ainda curioso, puxei mais assunto.


— Mas aos fins de semana você está livre? — Outro engano. Disse que aos sábados trabalhava pros católicos. A renovação carismática requisitava muito sua presença, tal como também já ocorria nos cultos protestantes. Era de domingo a domingo. Férias? Nunca! Convidei-o para um café no balcão do bar em que passávamos em frente. Ele agradeceu e disse:


— Enfim, um gesto cristão.


Ele não quis adoçante nem açúcar. Me disse secretamente que causavam impotência. A garçonete que nos serviu tremia dos pés a cabeça. De perto era possível ver que ele tinha olhos vermelhos e a face lembrava a de um bode. Mas tinha um ar cansado. Quis saber mais de tão milenar entidade e perguntei se gostava de futebol. Se era torcedor do América do Rio, cujo símbolo era o próprio.


— Que América! Sou Flamengo e tenho uma diaba chamada Tereza! — Afirmou que os plantões na Gávea lhe davam muito serviço, principalmente no campeonato de 2010. Atender nas igrejas, nos centros espíritas, no campeonato brasileiro, nas novelas da Globo e no jornalismo em geral era asfixiante. E ainda tinha um milênio para se aposentar, no mínimo. Dei-lhe uma idéia.


— Já pensou em falar com Jesus? — Revelou que sim, mas disse que Jesus só trabalhava na semana santa e no resto do ano era com ele. Era essa a finalidade do contrato entre o céu e a terra desde o começo dos tempos. Indiquei os serviços de um bom advogado. Desanimado, afirmou que no inferno havia toneladas deles. Mero jargão eu havia dito, mas na hora a gente quer ajudar e acaba dizendo obviedades.


Terminamos o café e vimos, à porta do bar, Judas e Barrabás. Tinham cara brava. Faziam gestos de indignação. Disseram: “Temos centenas de igrejas, centros e catedrais para percorrer e senhor aí, chefe, só no cafezinho? Vergonha, hein? Preguiça é um dos setes pecados capitais!”. O chefe da camarilha limpou a boca com as mãos, deu um tapinha nas minhas costas, agradeceu, e disse que era melhor ouvir aquilo do que ser surdo, saiu. Mas quando estava atravessando os batentes do bar, perguntei sobre as seitas afro-brasileiras. Respondeu que se filiara ao Greenpeace e agora era contra o sacrifício de animais. Acenou e os outros também fizeram o mesmo. Porém, fui até a porta e perguntei, pela última vez:


— Ei, eu costumo tomar café da manhã por aqui. Já que vão passar a noite tornando o mundo mais infernal, eu pago café pra vocês aqui neste mesmo lugar. Que tal? Assim posso saciar uma série de dúvidas, coisa de sociólogo.


O Diabo tirou uma agenda do bolso e começou a ler. Coçou a cabeça e disse:


— É uma pena, mas não dá. Amanhã temos encontro com Zé Serra, ele quer ressarcimento, como cê sabe, não deu. Ele perdeu. Agora tá culpando a gente.


— Então leva um bom advogado.


— Com certeza, filho. Michel Temer.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

José Ortega & Gasset entendeu Nietzsche



O advento do homem-massa foi descrito por Ortega & Gasset
como o fim da individualidade,
como o fim da arte.
A padronização se tornou o alvo.
Querer ser igual aos outros é a meta, um anseio desesperado.
Dissolver-se na cultura pop é símbolo máximo de aceitação.
O velho e bom Nietszche dizia que a arte sem falo é corpo sem sangue.
A alma da mulher preta se perde nos cabelos lisos padrão ascensão social burguesa.
as brancas pálidas de botox cabelo liso hollywood fedem a perfume.
o cheiro da carne, do sangue, da alma, do hálito, das entranhas: insonsos!?
não há super-homens, dostoievsks, buks, lamarcas, gorks e babels.
saltar no mundo, na vertigem, sobre o abismo que separa o primata do homem.
alçar voo é a proposta da arte, é voar dentro de si-para-si-para-todos.
meu avô era italiano, meu outro avô índio-luso-mineiro.
é preciso saltar sobre esse mundo todo. voa, Zaratustra!!!!!



segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Debord: o espetáculo da indústria cultural


a indústria cultural nos faz enxergar o mundo como se fosse um espetáculo.

poucos centros emissores de produção artística.

um vasto mundo receptor dividido em classes econômicas diferenciadas.

um único padrão de arte para a diversidade humana condicionada pela consumo.

não vivemos a realidade, mas sim a imagem da realidade.

estamos em um não-mundo, com uma não-consciência.

proletários, para uni-vos, é preciso uma auto-leitura.

uma interpretação real de si mesmo.

a tv, o jornal, as escolas, as igrejas, o cinema, as eleições:

cenários de uma não-mente.




Guy Debord


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Democracia

'carinho da polícia de São Paulo com os professores que educam os filhos dos mesmos, numa passeata por melhores salários'


Vou emprestar dois versos da grande dupla da MPB, Sá & Guarabira, para definir Democracia: “Que desejo tão fácil de se ter. Que presente difícil de ganhar”. E é difícil de ganhar porque Democracia, hoje, pressupõe participação. Digo não só do voto, mas como sujeito que participa da produção da riqueza do país e recebe por isso. Participar da produção e da partilha do bolo é fundamental. Se há exclusão, não há democracia. Gosto da frase do falecido Dom Elder Câmara: “Se divido o pão com meus amigos, sou cristão. Se indico a origem das desigualdades, sou comunista”. Ou assistencialista, como diria a ‘intelectualidade’ de hoje.

Pouco vale o direito de ir e vir, o direto de votar, se o território em que vivemos é demarcado por forças políticas conservadoras que ainda não entenderam que, primeiro o ser humano se alimenta, depois produz. Até mesmo os automóveis, máquinas modernas, precisam do tanque cheio para funcionar. É duro, mas na escala de valores o alimento do automóvel vem antes do alimento humano.

Digo isso porque, até agora não vi nenhum intelectual pedir desculpas por ter, em 2006, acusado o programa Bolsa Família de ser uma fábrica de vagabundos. “Deve-se dar a vara e não o peixe!”, diziam e dizem os mais ‘sábios’.

Porém, o fato é que estamos em 2010, e nesses últimos 4 anos o programa foi ampliado consideravelmente e, numa contradição, temos o menor índice de desemprego da história. Nunca tantas carteiras de trabalho foram assinadas. Do que adianta um país crescer economicamente se há fome entre seus habitantes? Jamais, e juro por meus filhos, defendi qualquer ideologia que entendesse a fome como necessária para um futuro promissor. Eu cresci ouvindo isso, mas nunca caminhei de braços dados com a crueldade do maquiavelismo da velha política elitista do Brasil, que sempre dormiu serenamente com a privação de milhões de patrícios em relação a um prato de comida, enquanto Brasil produzia riquezas. O Bolsa Família destruiu pré-conceitos filosóficos do falso moralismo da ‘antiga’ elite brasileira.

Tomar café, almoçar e jantar, antes de 2002, era um oásis; hoje, uma realidade que parece cada vez mais tomar corpo. Já li na Veja e, na Folha de São Paulo, reportagens sobre a miséria obesa. Sim, é um fenômeno social: uma grande parcela dos menos favorecidos passou a ‘sofrer’ de obesidade. Menos mal a pobreza sem fome.

Democracia é isso: produzir e receber parte do alimento gerado em nossas terras, financiado com dinheiro público, provindo dos impostos que pagamos em tudo o que consumimos. As terras produtivas têm função social, segundo a Constituição; obedecer a Constituição e um gesto democrático, não baderna.

Além do alimento, o conceito de Democracia deve estar ligado à disponibilidade de capitais. É fácil de se entender que o sistema bancário nacional e internacional pouco de se importa com democracia, ele prioriza o lucro. Mesmo que isso signifique a destruição de valores que nos são caros, como o direito à moradia e a aquisição de bens; afinal, vivemos na sociedade de consumo. Logo, será o mais democrático, o grupo político que melhor administrar os dispositivos econômicos, como as taxas de juros, a variação do dólar e a liberação de verbas para grandes construções de infra-estrutura.

O Brasil de 2010 está para ser entregue nas mãos de uma nova administração: de um lado, Dilma Rousseff, que tem como bandeira a continuação do governo Lula. Tem em seu armário esqueletos expostos pela Veja, Globo e Folha de São Paulo: o caso Erenice, a suposta quebra de sigilo na Receita Federal e favorecimentos de aliados nas obras do PAC.

Do outro lado está José Serra: carrega, mais ou menos, a bandeira do governo Fernando Henrique Cardoso. Tem em seu armário esqueletos não expostos pela Veja, Globo e Folha de São Paulo: O caso Paulo Preto, (a sua Erenice), as fraudes nas licitações do Metrô com a Alston e os pedágios mais caros do mundo.

O voto é seu, compadre e comadre. Em que eu voto? Não é nas elites.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

E a Igreja se esqueceu de Frei Tito


A benção, Frei Tito

Em 1969 Frei Tito foi preso pela ditadura, acusado de dar apoio ao revolucionário Carlos Marhinguella. O Frei foi submetido à palmatória, choques elétricos e teve toda a sua pele queimada por pontas de cigarro. Enquanto ocorria a dor provinda das torturas e dos choques, o delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933 - 1979), de maneira sádica, o aterrorizava tão desumanamente, que a loucura foi a única saída para o clérigo.

Durante todo o tempo em que passou pelo mais tenebroso inferno, não se deixou levar pelo possível conforto da delação. Não abriu a boca para transmitir informações do paradeiro ou de futuros planos do revolucionário Marhinguella. E Frei Tito os sabia, pois era solidário com os movimentos sociais, com o retorno da democracia ao país, com o afastamento do militares do poder. Não só Frei Tito defendia isso, mas Frei Beto, Dom Elder Câmara, Leonardo Boff e uma série de outros clérigos dedicados ao verdadeiro cristianismo, que deve ser aquele que busca a alteridade como soluções para os problemas sociais. — Um cristão alienado das causas sociais ainda não encontrou o significado verdadeiro da doutrina que pensa proferir.

Em 1970 Frei Tito foi banido do país. Foi para o Chile e depois se refugiou na França, no pequeno mosteiro de Le Corbusier, em Lyon. Mas foi ‘banido’ porque grupos revolucionários que lutavam contra a ditadura seqüestraram o embaixador da Suíça, Giovanni Bucher, e exigiram a libertação de seus companheiros detidos nas entranhas dos presídios comandados pelos milicos em troca do embaixador. Assim, dentro dessa barganha, Frei Tito conseguiu sair da prisão para tentar um recomeço, que aquela altura, já lhe seria impossível.

Os traumas se transformaram em loucura, em agonia, e Frei Tito, mesmo na França, em seu quarto no mosteiro, não conseguia esquecer as risadas sádicas do delegado Fleury. A dor não se transformava em passado, sua mente não conseguia mais definir o tempo, o lugar em que estava. A ditadura não havia apenas lhe causado danos físicos, havia extirpado sua mente. Aquilo que é o mais caro para um homem e para a nação que habita, seu pensamento, havia sido destruído. E tudo porque sonhava com a igualdade entre os homens. Porque desejava que não houvesse mais gente batendo às portas para pedir comida, e que todos pudessem sentar-se a uma mesma mesa onde houvesse pão e vinho. Morto por defender a alteridade.

Frei Tito não suportou o caos da própria mente e se enforcou numa árvore aos arredores do mosteiro, ainda em 1970. Era o general ‘médici’ (o minúsculo é proposital) quem “governava” o Brasil. Com a morte do Frei a ditadura poderia seguir em paz com seus projetos: a subserviência aos EUA estava garantida, a implantação do capitalismo selvagem podia seguir sem percalços, e a censura aos jornais, e àqueles todos que tinham o hábito de pensar e escrever o que viam, podia continuar sem entraves.

Ainda não entendi o porquê da destruição de homens que 'lutam' pela igualdade (ontem, hoje, sempre). Qual é o grande mal que os coletivistas, os adeptos da alteridade fizeram? Sonhar com o bem estar dos irmãos é crime ainda?. E tem gente que ainda defende a ditadura. Somos basicamente nossas escolhas e mais nada.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Laicismo X Hipocrisia



A política tem como finalidade espantar nossos medos, ela pode evitar que trafeguemos estradas trágicas. E para isso basta observarmos os exemplos que nos antecederam; kant diria que é o conhecimento que vem 'a posteriori'; a história nos impede, tecnicamente, que cometamos erros crassos de outros povos, ou nossos mesmos, de tempos passados.

Tenho medo que o Estado de São Paulo se transforme numa espécie de Texas, o estado norte-americano mais conservador, ou um dos mais, onde há mais igrejas que bibliotecas, mais postos de gasolina que bares, presídios são mais importantes que escolas e seus políticos recebem mensagens do próprio criador. Conversar com Deus é um ato de fé; ouví-lo, esquizofrenia. Além disso, a origem da terra é explicada nas escolas através do mito criacionista judaico-cristão de Adão e Eva; os fósseis seriam mera ilusão, não houve evolução.

No caso de Gerge Bush, ele disse que teria recebido ordem expressas do criador para invadir o Iraque, por isso desencadeou tal guerra com o saldo de milhares de mortos. É bom lembrar que, o patrocínio das indústrias bélicas e petrolíficas de sua campanha para presidente e posterior apoio político para sua reeleição, foi mera coincidência.

Misturar religião com política é algo que pode gerar "Talebãs". Se criticamos ardentemente a postura dos países islâmicos que apredejam mulheres adúlteras e incentivam a guerra santa, a chamada prática dos homens-bombas, devemos separar o joio do trigo em nossas terras sulamericanas também. Católicos-carísmaticos e evangélicos (protestantes) andam em tempos eleitorais a pregar preconceitos e aspiram se apossoar da máquina estatal com seus valores doutrinários que, ao meu ver, deveriam ficar restritos a prática da fé dos indivíduos dentro de suas respectivas comunidades. o Estado (sociedade representada) é Laico, composto de uma pluraridade.

Padres e Pastores andam a pregar com base num medievalismo tosco sobre o aborto. Além de demonizarem 'pessoas', com pré-julgamentos e ilações em nome de um Deus, quebram de cara três dos dez mandamentos que lhes são caros, pelo menos em tese: não mentir, não usar o nome de Deus em vão e não julgar. Eis o pardoxo: para se 'defender a vida' destroí-se 30% dos dez mandamentos (aproximadamente).

Quanto ao termo, 'defender a vida', que escorre tão facilmente da boca do talebã-cristão-brasileiro, em épocas eleitorais, mantenho um certo ceticismo, tenho uma certa desconfiança de que seja hipocrisia; talvez até um pouco de medo de ir para o inferno; deixarei o leitor decidir sobre isso.

Porém meu ceticismo em relação a tal cruzada do 'amor à vida' terminará no dia em que os fiéis abraçarem aqueles que dormem na rua envoltos em papelões, e que não vão se importar com o cheiro de urina, fezes e suor que exala da exclusão; e ao abrigá-los em suas próprias casas, irão dividir com eles seu pão e mais o seu abrigo; isso é amor à vida, tarefa de todo bom cristão.


Quem se cala diante das injustiças compactua com elas. Os cristãos deveriam estar lutando para que um número cada vez maior de patrícios possam trabalhar e alimentar seus filhos; também deveriam levantar sua voz contra os crimes de pedofilia e pressionar o Congresso para que esse tipo de crime se torne hediondo; deveriam também parar de demonizar pessoas em função de uma eleição. E mais um pouco: dizer a verdade é requisito básico da cristandade: quem pode decidir sobre a legalidade do aborto ou não, é o Congresso Nacional e não uma única pessoa. Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Democracia na praça

Péricles na Ágora



O espelho da Ágora

Os antigos gregos inventaram três ‘coisas’ que revolucionaram a história da humanidade: a filosofia, o teatro e a democracia. É fato também que a criatividade grega não se limitou a isso. Não faltou ‘café no bule’ da Grécia antiga. O interessante é que as ‘invenções gregas’ nos levam à vertigem até hoje. É o caso da democracia, praticada na Ágora, a praça onde ocorriam os debates políticos gregos.

Pode parecer simples debater os assuntos pertinentes à sociedade numa praça. Mas criticar, acusar, tentar ganhar aliados e mudar o rumo das coisas em meio ao turbilhão de uma praça é instigante, assustador; uma batalha para deuses. E digo isso porque o quê se vê numa praça em debate é a própria personalidade dos indivíduos exposta em alta definição, que vai muito além dos ‘pixels’ das TVs de LCD. Ver a si mesmo exposto nos teores dos debates pode ser cruel por demais. Olhar-se no espelho é o início de uma jornada para dentro de si mesmo. E, todo aquele que defende princípios de moralidade, de crítica mordaz, de intolerância/tolerância, sente seu mundo pessoal estremecer e é invadido pelo medo quando se reconhece nos discursos dos outros. Nessa hora prefere fugir da luz que ilumina a Ágora e se jogar nas sombras, mas não antes de pronunciar, “sou apolítico, não voto”.

Brasil, eleições 2010. Nossa Ágora é composta pela TV, rádio, debates, comícios e discussões pela internet. O que estamos vendo não é um ritual de mediocridade, nem um espetáculo de baixo nível. O que estamos vendo somos nós mesmos, expostos nos discursos que recebemos. O grande espelho da Ágora não nos deixa mentir: ali estamos nós mesmos e sem a possibilidade de nos escondermos; por isso a vergonha, ou o orgulho. A Ágora dos gregos tem esse poder: todos nós podemos ver a vergonha/orgulho de todos expostos na luz do dia. É o oposto de se entrar num consultório para se fazer terapia e expor seus demônios, lobys e santos para uma única pessoa. Na Ágora, ‘nada pode nos proteger de nós mesmos’. Nela ‘estamos condenados à liberdade porque fazemos escolhas’.

Porém, o grande veneno capaz de intoxicar a Ágora é a hipocrisia. A hipocrisia cria a falsa idéia de que poderíamos fazer diferente se estivéssemos lá. Já ouvi em bares discursos indignados contra a corrupção e proferidos por pessoas que usam falsos recibos médicos para diminuir a dentada do leão da receita federal; mas são honestos. Também já ouvi palavras indignadas contra os lobys, e eram pessoas que apoiavam determinados candidatos que, depois de eleitos, dariam uma indicação política para gerar um bom posto de trabalho a um filho ou sobrinho. Empresários dignos patrocinam campanhas e depois ganham licitações. É o nosso mundo. Mas muitos intelectuais se revoltam quando a classe menos favorecida passa a votar em função dessa mesma lógica. Afinal, é ou não é uma democracia?

Não há liberdade sem interesses. Eles são os dois lados da mesma moeda. A corrupção e a ética são dois produtos que nascem dessa relação de liberdade e interesse. Já a hipocrisia necessita da ignorância. Exemplo: trocamos seis por meia-dúzia na ideia de que a corrupção e os lobys possam se acabar como num passe de mágica. Eles não se acabam, apenas a mídia pára de noticiá-los e então podemos cair numa crença de que o mundo se transformou num conto de fadas, onde a corrupção sumiu, e os interesses são supostamente éticos. Lembre-se: as empresas de informação também têm interesses e também fazem lobys. Por isso o grande problema do Brasil, em termos de debates políticos em nossa Ágora, é a chamada mídia oficial invadir a ‘praça’ do debate e não permitir que os indivíduos façam suas ponderações e conclusões próprias. Ela quer partir de julgamentos morais pré-estabelicidos por ela mesma e isso é extremamente anti-ético. Como algo que se inicia de maneira anti-ética pode gerar algo ético?

Há um claro interesse no resultado das eleições por parte da mídia conservadora. E afinal, o que é uma imprensa livre de interesses? Os Blogs da internet? As revistas semanais que são assinadas e distribuídas pelos governos estaduais? Os jornais das TVs de concessão pública, que se baseam apenas em uma revista para notificar denúncias? Não sei as respostas, mas sei que quando as eleições se acabarem e a poeira se assentar, a classe menos favorecida não poderá se alimentar das páginas da ‘imprensa livre’, nem se vestir com as imagens dos telejornais. Menos ainda, os pobres não vão especular nas bolsas de valores, mas sim os grupos de investidores ligados às empresas de informação. Pode acreditar que vão. Ahh! Vão!

Os megainvestidores sempre necessitaram de uma mídia que propague uma crise atrás da outra, assim o dólar e os juros sobem; o desemprego aumenta e se congela os salários. E tudo ‘culpa’ de uma conjuntura internacional.

domingo, 19 de setembro de 2010

Sobre um quadro de Seurat


É que eu desejo, às vezes, o sol tocando a clareira do bosque.

O chão claro, as folhas secas, melhor ainda se for à tarde.

Só a brisa balangando as árvores, o tempo pasmo,

o moinho imóvel e o canto lento dos pássaros claros.

Naquele calor ameno e doce, o mundo não acaba.

A lentidão da tarde é posse de eternidade.

É onde posso desfrutar de mim mesmo.

Me acho folha, um tronco que recebe sol.

Vejo ninfas no mar do sol vesperal.

Ateu, aceito o vinho de néctar doce.

Silenciosa harmonia do limo nas pedras do rio.

Pés molhados, olhos nas nuvens.


Livre de idéias prontas, sou feliz e abordo a

mim mesmo com voz de sangue de dentro do peito.

Leve e sereno, pelo sol da tarde, acho que é bom

ouvir e viver bem no fundo desse corpo, nessa

concha que irá polinizar o chão das flores do

vir a ser, do bem-me-quer, do envelhecer-se,

até que a noite glorifique o dia.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Poema: A benção da Cartomante



um dia uma cartomante leu minha mão e disse coisas sobre o meu futuro, eu tinha 15 anos:



"enquanto criança você acreditará em deus.


aos vinte e poucos o verá como uma força cósmica e depois ele será o mesmo que papai noel.


seus filhos lhe darão preocupação, você passará noites em claro, querendo entender o que precisa fazer para ajudar.


as mulheres lhe trarão insegurança, prazer e dores profundas. isso o fará cético.


a cerveja substituirá a igreja. você terá medo do inferno, mas isso passará


você vai trabalhar com homens que se mostrarão idiotas e traiçoeiros e para muitos você será assim também.


o seu corpo padecerá, irá se desfigurar e ao fim a terra irá sorvê-lo.


nada restará, somente a poeira conduzida pelo vento da tarde.


entenderá que a programação da tv é chata. paga ou não.


seu único refúgio será a fantasia e quando não sonhar mais, você lerá os clássicos compulsivamente.


no mais é sorrir, assistir a palestras de otimização e pagar prestações.


você é um escolhido dos deuses, agradeça por sua vida."


sábado, 11 de setembro de 2010

Revolução dos Cravos (Portugal, 1974)



braços entrelaçados.

sonhos de palavras soltas.

feijão na mesa, o suor da construção.

a destruição dos ícones que nos sufocam.

os braços entralaçados, o coro afinado, afiado.

a praça tomada pelo desejo de não mais censura.

expulsar de si a voz medíocre dos jornais empresariais.

escrever nos muros que o mercado é puta,

e sua a neo-estagnação-liberal extermínio,

comércio de armas.



braços entrelaçados.

homens comuns transfigurados em Ulisses múltlipos,

uma lança no coração dessa terapia burguesa da crise.

é a posse dos cravos que incendeia a vida e FORA! ....

FORA a babaquice: salazar, franco, 'globo-folha-ditabranda' e outras sandíces.

é hora de viver o dia, não fugir do presente,

mastigar sorrindo arroz-carne-vinho-feijão.

sorrir pro filho,

desejar a mulher,

amar impreterivelmente o que se quiser.

e o império da hipocrisia se desmanchará sob nossas lanças.

braços dados, tomando a praça, um cravo às mãos dos que trabalham.

fechem as igrejas, abram as latas de cerveja, berrem alto:

foda-se essa novela burguesa!!!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ler Bertold Brecht é também um ato de Civismo


O Analfabeto Político

Bertolt Brecht


O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

domingo, 22 de agosto de 2010

... cegos, nossos interiores ainda estão vazios....

ainda estamos olhando somente para as vitrines das antigas metrópoles. a colonização dos territórios sul-americanos 'acabou'. mas, no lugar da terra usada pelo europeu, restou a mente da elite domada pelos 'ventos do norte anglo-saxão-hollywoodiano'.

os donos das terras, das fábricas e dos sistemas de comunicação são os gringos das nossas nações; os trabalhadores, que não posso mais chamar de proletários, são imigrantes da própria história. não podem ter a felicidade que sonham para os filhos. todo o desejo de paz, alimento e felicidade é chamamdo de anacrônico pelos articulistas neoliberais que patentearam a 'verdade'. imploro aos homens, no coração das nossas entranhas sulamericanas, que façam mais Galeanos. que os forgem em noitadas de chimarrão, com o grito forte da zabumba, com as cordas da viola e com a dança erótica dos carnavais; semeação dos ventres da dignidade humana..........

A FRASE ABAIXO É DE EDUARDO GALEANO

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Os EUA têm lúpus


"O lúpus é uma doença autoimune do tecido conjuntivo que pode afetar qualquer parte do corpo. Assim como ocorre em outras doenças autoimunes, o sistema imunológico ataca as próprias células e tecidos do corpo, resultando em inflamação e dano tecidual."


os e.u.a têm lúpus. é uma sociedade que cria valores que atacam a ela mesma no formato de fantasmas. na busca pelo dominío mundial, a famosa hegemonia, os norte-americanos confundiram liberdade com 'consumismo fútil', tornaram-se uma nação de obesos mórbidos, viciados em coca-cola, armas, alarmes e trancas. declararam a corrupção natural, - vide o comportamento das emissoras de TV em relação à política. em termos culturais, sua produção cimematográfica se especializou em catástrofes. o mundo já foi destruído várias vezes nas salas de cinema dos eua. o 'consumismo fútil' americano é tão poderoso que destruiu até mesmo a música negra. não há mais blues, nem verve. bob dylan está morto.

os inimigos dos eua são inimigos do mundo. onde há um inimigo norte-americano, há a autorização para uma invasão militar.

2010: o estado do arizona votou uma lei anti-imigrantes. a lei vai contra os princípios constitucionais do país. está aí o lupus: um país de imigrantes que combate imigrantes. lamentável.


obesos, armados, corruptos, consumistas, paranóicos e impotentes. deveriam fazer mais amor, como os hippies nos anos 60/70, e menos guerras.

e detalhe: com a velha receita, corte os custos para aumentar o lucro, quase destruíram os oceanos do mundo com o vazamento de petróleo no golfo do méxico.

é esse tipo de sociedade que a rede globo quer para o brasil.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Delacroix pintou a Liberdade: uma mulher de seios nus sobre um campo de batalha.

"Mudei para continuar o mesmo" ...Sartre

quanto menos fundamentalismo em nossas vidas, melhor. e essa é a blz de se pertencer à humanidade. o velho nietzsche dizia que devemos construir nossas vidas como se estivéssemos criando uma obra de arte, e isso é exatamente o oposto do fundamentalismo...

muitos confundem ética com profilaxia, principalmente no campo da política. acreditam que, quando alguém chega ao poder, não deva mais dialogar ou aliar-se, em determinados projetos, aos antigos inimigos, os seus chamados contrapontos dialéticos. só que já estaríamos exterminados se isso fosse uma prática cotidiana da política. hitler, stalin e alguns governos norte-americanos se utilizaram dessa prática nefasta: exterminar seu inimigo político numa assepsia plena e irredutível. isso é fundamentalismo, guerra santa/demoníaca. a idéia de que, "nunca mais deverá haver o outro", é uma espécie holocausto à prestação: primeiro aniquila-se pela moral, depois pela cultura, finalmente pela genética. se as três falharem resta a bomba atômica. curdos, ciganos, sem-terras, índios (que são os sem-mapas) e ad infinitum, vêm sendo sepultados nas páginas dos livros de história. a globalização é o cemitéro atual das diferenças.

mas podemos ser salvos pelo relativismo que nos projeta em progressismos. querer extirpar - algo/alguém - da humanidade é a clara constatação de que essa parte de você não é aceita por você mesmo. logo é o relativismo que faz com que aceitê-mo-nos como realmente somos: andantes, contraditórios, teóricos, inconsistentes, primatas e finitos.

os exemplos se multiplicam: o islamismo quer extirpar todo o prazer feminino; o cristianismo à toda diferença com o conceito de amor/universal, algo único que faz a todos iguais e à força de digressões morais... há várias maneiras de se fazer profilaxia... cuidado!!

a grande mídia brasileira quer extirpar os partidos sindicais, como se eles não fossem Brasil, como se não fizessem parte da história. ela os mantém acuados num campo interpretativo preconceituoso, um exílio. e só podem sair de tal gueto se houver uma mudança de discurso. a grande mídia é fundamentalista e ainda não entendeu isso. talvez porque tenha ouvido muito pouco a Bob Marley...

o fundamentalismo determina posse exclusiva da verdade/poder e isso passa longe dos conceitos democráticos...

'mudar para continuar o mesmo' ...na busca por liberdade

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Louis-Ferdinand Céline - Céline






FRASES DO ESCRITOR CÉLINE:


"...filosofar é apenas uma outra maneira de ter medo e só leva aos covardes simulacros."

"... ter confiança nos homens já é se deixar matar um pouco. "

"... aos vinte anos eu já não tinha mais nada a não ser passado."

"...tinha o vício dos intelectuais, era fútil."

" quando não se tem imaginação, morrer não é nada; quando se tem, morrer é demais "


...Céline, escritor maldito, francês, possuidor de uma habilidade extraordinária para esclarecer as falências da condição humana no séc. XX. se o compreedemos, é porque somos tão estranhos no ninho da sanidade quanto ele.

o romance VIAGEM AO FIM DA NOITE é envelhecido em tonéis de carvalho das perenes florestas negras de nossas cabeças...

E Ariano Suassuna disse: "...poesia é diferente da comunicação de fatos"



Perdoe-me, vento suassuna,
mas também só comunico fatos
e me perco dos versos.

Vencido por moinhos imóveis,
pelas catedrais sangrentas,
espero medroso o dia em que os filhos me verão estúpido.
Alma penada que perdeu os dentes.

Vendi a alma.
Como a todo homem tolo e hábil,
vendi a alma.
...e a pouco soldo.

Esse monstro inumano que nos traga é vencedor.
É esplendor de mutilações.
O moinho cravou a lança em minha coragem.
Meu coração é mera palha na boca dos porcos.

Não há sonho.
Só a lata do tempo maquinal me sangrando.

Monstro! Bestialidade! Te dei minha alma
e pela boca recebo alimento.
Proteína e carboidrato.

Há que se lamber os fatos nas conversas de história:

O capitalismo é fonte que me inverte.
Eis-me verme e não mais homem.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Não há um símbolo para simbolizar o símbolo



a palavra símbolo vem do grego e é um elemento representativo da realidade invisível: ideologias, ciência e práticas religiosas são decodificadas pelos símbolos. logo o símbolo é o invísivel que se torna concreto e inteligível. a cruz dos cristãos, a tabela periódica dos químicos, as siglas/símbolos dos partidos são indicações da prática daqueles que seguem tais manifestações humanas.

Mas nem sempre os que vivem por de trás de tais símbolos praticam o próprio significado do símbolo que ostentam; MAS ATENÇÃO: a idéia deste texto não é se limitar ao velho clichê que diz: 'faça o que eu digo e não o quê eu faço', pois sabemos que os símbolos podem sofrer pequenas traições ao longo da história, mas em momentos decisivos, como em eleições, ou de crises morais, eles recebem seu público de volta. uma multidão se comprime atrás deles, de seus espaços vazios, e os levantam como cartazes/verdade. Exemplo: fora do período eleitoral os partidos são outdoors vazios à beira das estradas, onde os motoristas passam desatentos; fora dos feriados religiosos, os símbolos sacros ficam apenas pendurados ou enfentando estantes. assim, nesse ir e vir por de trás dos símbolos, se instala o paradoxo. e isso ocorre porque os indivíduos, quando não estão 'camuflados' pelos próprios símbolos escolhidos, estão agindo, conscientemente ou não, atrás das antíteses símbolicas de suas escolhas anteriores. confuso? um pouco. vamos aos exemplos práticos:

a) nos anos de 1970, o presidente americano, nixon, republicano, conservador ao extremo, foi o presidente que reconheceu a china comunista; e em termos de saúde e edução colocou práticas que soaram como de esquerda nos EUA, berço do capitalismo selvagem.

b) no brasil o partido sindical/extremista, PT, cumpre agenda de social democrata, enquanto a social-democracia, (PSDB), o caminho da direita. EX: Lula concede asilo político à iraniana condenada a morte por adultério; em são paulo, greve dos professores, o social democrata, josé serra, não recebe os grevistas e libera a polícia para um choque com os educadores. alegou que a greve era política. toda greve é política, porque 'o homem é um animal político'. e um social-democrata 'se esqueceu' disso.

c) filiados ao partido verde alugam terras para o plantio do eucalipito.

d) os judeus foram massacrados no holocausto dos nazistas, na segunda grande guerra; hoje os judeus perseguem e segregam em guetos os palestinos que 'vivem' na faixa de gaza.

d) 0 brasil joga o futebol arte, mas seu técnico, dunga, quis vencer em 2010 como se fosse a alemanha; a alemanha, por sua vez, desejou jogar como o brasil e etc etc etc

LOGO: paradoxo-hipocrisia-niilismo-corrupção são os botes da liberdade no mar do fundamentalismo. eu explico. quer dizer, tento, pelo menos.

é justamente a possibilidade de abandonar o símbolo, deixá-lo sozinho e retornar depois para um confronto com inimigos, como se nunca tivéssemos saídos dali, que nos torna livres, é o livre arbítrio. Sartre tinha uma frase especial para isso: "...mudei para continuar o mesmo." ou seja: um homem sedento por liberdade.

a posse definitiva de um cartaz ideológico nos torna fundamentalistas, é isso que ocorre no islamismo. não se pode deixar o islamismo sem sofrer represálias e/ou (auto)exílio. aliás o islamismo não tem símbolos, mas sim gestos que simbolizam algo que escraviza o homem; aquele que abandona o cartaz/verdade/islâmico vai ser punido. não há espaço para a relativização. é como nascer numa prisão. por isso adultério é igual a pena de morte.

devemos nos libertar sem nenhum cartaz/verdade....??

será que isso já é outro cartaz/verdade?

domingo, 1 de agosto de 2010

O último vinil



os sebos ainda vendem vinil. eu sei. digo 'o último vinil' antes da chegada do CD à lojas especializadas em vender música. ainda me lembro do último que comprei. 'the definitive Simom & Garfunkel'. foi em 1994. parei meu carro velho à porta da loja, um carro todo em pedaços, vivíamos uma ressaca de um porre que não havíamos tomado, catei o dinheiro do bolso, uma série de notas que eram completadas por moedas e o dono da loja embrulhou o LP pra mim. música dos anos de 1960 em plena década de 1990. é possível ser feliz durante a execução de uma música, - anos mais tarde aprenderia com a naúsea de Sartre que podemos ser eternos no tempo em que dura a canção. mas voltando: em 1994 havia o desemprego, a falta de dinheiro, a falta de perspectiva e os filhos crescendo. eram cenas de uma catástrofe não mais iminente, mas perene, suavizada pela agonia. o único meio de comunicação era a TV, somente canais abertos. era um ritual de morte diário de nossa cultura. a elite virara as costas, fechada em casas cheias de alrames, com discurso ainda mais conservador, queriam mais polícia, mais presídios e sonhavam com Miami. eles tinham que entender que no capitalismo o dinheiro deve circular, passar de mão em mão, mas não: viver não era preciso, especular, imprescidível. 2010. vivo em outro país.

31.07.10: meu filho deitado na rede pendurada na árvore do quintal. eu liguei o aparelho de vinil. sim, ainda ouço vinil. coloquei esse mesmo 'simom & garfunkel'. e ouvímos aquelas pérolas que não envelhecem. beleza melódica, letras sarcásticas, viloões e vozes mais afinados que os diamantes de Orfeu; a música já foi assim um dia. ao fim da execução lado A pedi a meu filho que colocasse o lado B para tocar. ele tem 20 anos. foi a primeira vez em sua vida que manuseou o mecanismo de um aparelho de vinil. deslocar o braço mecânico, para colocar a agulha sobre o vinil em movimento, é gesto de 'pessoa zen'. até que ele não foi tão mal. mas exclamou: "que treco difícil!"

mas conseguimos ouvir o lado B.

terça-feira, 27 de julho de 2010

NAU SOLITÁRIA ** VENTO ZERO




uma balada a cada cão na estrada,
para cada dia nublado na alma.
Em cada olho negro vivo na noite,
vivo a esperança do bobo na corte.

Uma valsa para cada dia de vento,
para cada bobo que escreve sonetos.
Na prosa infeliz dos momentos,
escuto sopro atroz que invento.

Não posso ser barco, voar e sair.
Vejo no espelho vazio de tempos,
silenciosa balada de quem fica.

Não posso ser vento, partir, me iludir.
Encontrar nas ruas uma voz meretriz,
tudo é só um desejo de se matar feliz.

Ode aos pulhas

Cuspa sobre minhas mãos que constroem o mundo.
Eu evoluí na modernidade,
já sou um número, um índice.
Quero retratos na parede: todos os carros que tive.
As promissórias povoam a estante. Os livros fogem.
Adeus Marcel, adeus Miguel, adeus Hugo.
Suas histórias precisam de mais tempo do que posso dispor.
Minha boca é alimentada com o fantástico sabor do isopor.
Rima infeliz, eu sei. Mas é real o deserto infernal do capital.
A estátua da liberdade está nadando em direção ao Brasil.
Logo seremos patetas perfeitos, com roupas cheias de estrelas brancas.
Deus irá falar conosco e todos nossos filhos chamar-se-ão georges.
A voz de deus em megafones de plástico.

— bombardeiem o irã; amem israel
— bombardeiem o irã; amem israel
— bombardeiem o irã; amem israel

E responderemos balindo com sinetas made in china pro natal:

— sim, bem; amém
— sim, bem; amém
— sim, bem; amém

Depois é só privatizar a petrobrás.

“...o homem que ainda sorri, não sabe das más notícias.”
Bertold Brecht

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Máquina do Tempo




Ao lado está a contra capa do primeiro LP do LED ZEP. 1969. Chegou às minhas mãos em 1980. Eu tinha 14 anos. Era uma tarde luminosa. Vinis eram objetos distantes, como diamantes no fundo de uma caverna. Em silêncio me dirigi para o toca discos. Levantei a tampa e encaixei o buraco daquela bolacha negra no pequeno obelisco do meio do prato rodopiante, ele girava à velocidade de 33 rotações por minuto. Conduzi o braço mecânico que fazia a leitura dos sulcos com a ponta do dedo indicador da mão direita. A agulha desceu suavemente no espaço inicial que antecede a primeira faixa de todo vinil. Um giro em silêncio. Não consegui me afastar e sentei no chão mesmo, bem à frente do aparelho. Então veio o primeiro acorde: guitarra, baixo e bateria em sincronia. Um som seco, único. Em seguida as baquetas tamborilando nos pratos. De novo tudo junto. Seco, pesado e flutuante. Então veio a voz e a música se iniciou. Olhei por alto, como se não houvesse paredes em meu quarto. Era ritmo, peso e melodia. O som da guitarra trazia uma idéia clara de que havia vida naqueles sulcos. Àquela altura eu sentia o cheiro da tarde, e a luz invadiu meu quarto, um inexplicável estado de espírito que poderia ser chamado de liberdade. Eu nunca fui de idealizar histórias quando a música rola. Nada de clips na cabeça. Me vejo tocando com a banda, sou o quinto integrante de uma série de bandas mundo afora. Sempre me orgulhei disso. Mas aquele som luminoso, cheio de virilidade, já era velho. A luz que invadia meu quarto vinha da habilidade de 4 jovens músicos. Nos raios daquela luz eu via a banda como num filme em 3D, minha imaginação era forte o suficiente para criar esse efeito especial. Naquele dia ouvi a primeira faixa várias vezes. Depois a segunda. Um dia uma amiga foi ouvir o disco comigo, essa era a outra coisa legal do vinil, garotas iam até a casa da gente para ouvir as novidades. Então ela perguntou, “Você não ouve as outras faixas?”. Claro, havia ainda uma longa jornada musical no LP a ser descoberta. Hoje tenho a clara convicção que os LPs são máquinas do tempo. Quando ouvi o LED ZEP pela primeira vez, em 1980, como já disse, o baterista estava próximo da data de sua morte, ela ocorreria em setembro de 1980 e eu havia embarcado na Nau Zeppeliniana em abril do mesmo ano. Tinha uma longa jornada por toda a discografia da banda, mas no tempo real, ela já estava no último suspiro. Em breve o altar estaria com a bateria vazia, e eu em plena preparação para voar na mais significante trilha sonora que meus ouvidos já saborearam; em se tratando do bom e velho rock. Ainda não terminei minha jornada na discografia do Zep, porque não sei quantas vezes se é necessário ouvir cada disco, cada nuance. Em 2007 eles se apresentaram com o filho do baterista ocupando o lugar vazio no altar. E eles começaram com essa primeira música do primeiro disco: Good times, Bad times. Então as minhas lembranças se juntaram ao presente e uma vertigem tomou conta do espaço. O tempo, a vida e a música estão sempre num carrossel, por isso podemos largar as rédeas e deixar o cavalo nos levar por essas terras ermas, por essas harmonias de chumbo-flutuantes. Nós não corremos perigo.

O grito da arte


Eduard Munch pintou o quadro ao lado e deu-lhe o título de O Grito. No fim do século XX as artes plásticas se divorciaram das aparências do mundo, do elevar-se pelas cores e luzes do sublime que se esconde em nós, meras criaturas em busca de um sentido para nossa extenuante jornada efêmera. A arte moderna, pós-moderna, deu as mãos aos significados do mundo. O Grito não é pra se ver, mas sim ouvir. Munch pintou um quadro onde se ouve a agonia da existência. Por isso tem o mesmo efeito em preto e branco ou colorido.
As aparências do mundo, seu sentido e beleza, tornaram-se objetos da ciência. Um vídeo sobre física quântica é magistralmente feito para revelar a beleza das aparências das coisas. A simetria dos fractais, a explosão espetacular do átomo, a química levada à sua extrema potência, mais a admiração do espectador de olhos na tela de uma TV a cabo, são o novo palco dessa nova ciência que não busca mais o significado das coisas, mas sim o deleitar humano através das aparências dos fenômenos.
A música também passa por tal inversão similar. O RAP, o Hip Hop, o Funk super-valorizaram a prosa na música. Ou melhor, trocaram a melodia pela literatura, harmonias substituídas pela seqüência de palavras ditas sem fôlego, como nos mântras do hinduísmo e orações do islã. Uma música feita não só para dançar, mas para se falar enquanto se dança, com um gestual impositivo; os dedos indicadores denotando verdades, a cara franzida, sem paciência. O teor das letras é panfletário, ou sexualizado. Panfletos necessitam de postes, muros, para serem fixados. Esse é o novo papel da música, sons organizados para se transformarem em postes e muros para territorialização da música falada. A música por si só já não comove as massas. A música morreu e a sociedade de consumo nasceu. Os clips das MTVs podem ser vistos sem som, basta a imagem. São todos iguais, bocas fechadas ou não. O mesmo ritmo é executado até que o corpo anseie desesperado pela imobilidade e os ouvidos pelo silêncio. Como ouvintes, encontramos a felicidade no silêncio que vem depois da execução das peças da música pop moderna. O prazer está nos intervalos entre uma música e outra.
Ainda há velhas formas se propagando, logo não combinam com o moderno. Fósseis musicais. Talvez a culpa da decadência de hoje seja em função do reproduzir-se o mais rápido possível, e tudo dentro de uma fórmula que fosse vendável. ‘Tempo era e é dinheiro’. Afinal, qual o tempo da durabilidade da apreciação de uma obra de arte? Qual o tempo de sobrevivência de um disco? Seria sua vendagem ou seu impacto nas sensações humanas? Orfeu foi substituído por uma máquina de lavar roupas que propaga ruídos de engrenagens lubrificadas com sabão em pó. A arte grita. Era esse o recado de Munch?

Instrumental I